FOTOS/VITOR DIAS |
Do mais longínquo interior das Minas e das montanhas das Gerais, em tempos idos, um jovem dramaturgo dá seu recado de fé numa textualidade carregada de sonho e de poesia mas, ao mesmo tempo, libertária no seu apelo a favor das diferenças. Em contraponto crítico de anos negros de retrocesso político e de coerção às liberdades posturais do agir e do pensar , dando sua lição por um jeito fora do convencional e além do sistema.
Ao escrever e fazer representar seu mítico testemunho confessional de toda uma geração através de sua
peça Hoje É Dia de Rock, mal chegado aos trinta anos – José Vicente - provocou,
quase involuntariamente, um fenômeno comportamental
de identidade especular entre a representação teatral e a vida social/política de sua época.
E que transcendeu, a partir de sua poética
narrativa confessional, numa singular estética dramatúrgica e como uma
simbologia da contracultura ancorada na bandeira da paz e do amor em tempos de
militarismo e ditadura.
O reconhecimento de sua autenticidade e pulsão inventoras a partir dos laços da mineiridade o fez, inclusive, ser considerado um instaurador do realismo mágico, de lastro literário mineiro(Murilo Rubião) e de raiz latino/americano(Garcia Márquez), na estruturação
temática de sua escritura cênica.
De um Brasil provinciano e lírico, perdido na saudade de suas lembranças distantes, que contextualizou José Vicente, junto a Drummond e Rosa, de um “secreto entendimento das
coisas, a uma poesia gauche e
pungente e a um“Minas que não há
mais” que é Minas por toda parte”,
na análise de Sábato Magaldi para Hoje é
Dia de Rock.
Provocando, então, uma histórica e transformadora montagem
concebida, interpretada e dirigida por Rubens Corrêa para o Teatro Ipanema e, assim, inicializando a primeira década de uma trajetória deste tão necessário espaço que está completando seu meio século. E retomada,
agora, em sotaque comemorativo, com o mais recente trabalho direcional de
Gabriel Villela neste Hoje é Dia de Rock, idealizado para a trupe do Teatro de Comédia do Paraná.
Com uma outra proposta mais vinculada a uma performance em
palco italiano sem invadir os espaços além do proscênio , característica que
marcou a configuração interativa palco/plateia na versão de 1971, aqui há uma
intimista aproximação entre a bela exteriorização da caixa cênica com os
espaços siderais da mente de cada espectador.
Estabelecendo pontes do que se vê e do que se sente, da
efusiva plasticidade barroquista de uma indumentária onírica ao encantamento
cenográfico de um mapa/ paisagem frontal(em dúplice realização de Gabriel
Vilella), indicativo das trilhas mágicas que
conduzem à imaginaria cidadela chamada Ventania, em mobilidade luminária(Wagner
Corrêa), de marcos geográficos a brilhos estelares.
Através de um elenco laminar, afinado, energizado, entregue
ao seu ofício na demonstração da prevalência de alcance qualitativo na jovialidade destes onze artesãos/atores(Arthur Faustino, Evandro Santiago, Flávia Imirene, Helena Tezza, Kauê Persona Luana Godin, Matheus Gonzáles, Nathan Milleo, Paulo Marques, Pedro Inoue), parte
deles de estreantes via testes.
Configurando um retrato familiar sertanejo com ingênuo olhar voltado para a cidade grande, da menina cega aos seminaristas sem vocação, do encontro com cartomantes e nas personificações metaforizadas em homens e deuses incas/astecas.
Configurando um retrato familiar sertanejo com ingênuo olhar voltado para a cidade grande, da menina cega aos seminaristas sem vocação, do encontro com cartomantes e nas personificações metaforizadas em homens e deuses incas/astecas.
Destacando-se, com uniformidade, ao lado da convicta composição dos personagens de Rosana Stavis(Adélia,
a matriarca), de Rodrigo Ferrarini(Pedro
Fogueteiro, o patriarca/músico) e do
alter ego de José Vicente no ansiado desejo de liberação sexual, transmutada no envolvente e bem humorado papel de um adolescente rebelde (Cesar Mathew).
Entremeada no puro lirismo e na tessitura nostálgica dos acordes musicais de temas clássicos do Clube
da Esquina , ao vivo , sob comando e
arranjos vocais/instrumentais de Marco França, reiterativo do que o próprio José
Vicente titulou de partitura romance.
Sem deixar de lado, o referencial roqueiro no tributo a Elvis Presley.
Num arquétipo, enfim, da melhor teatralidade, em contagiante encenação, num espetáculo
pleno de expressividade visual e dimensionamento psicológico, com a tônica da
precisão, do domínio e do refinamento
artístico que Gabriel Villela tem para transformar , alquimicamente, tudo em que porventura toca.
Wagner Corrêa de Araújo
Wagner Corrêa de Araújo
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