A segunda versão, em compasso teatral sob concepção e
comando diretorial de Moacir Chaves, para a emblemática obra do escritor e
filósofo inglês Thomas More(1478/1535) traz, desta vez, a complementação
titular de Utopia D – 500 Anos Depois.
Esta oportuna remontagem tematizada sobre um metafórico país
do não lugar, sob o signo do devaneio , da fantasia e da quimera, chega até nós no momento cruel
de uma nação abalada em suas instituições políticas, pela dilapidação de seus
valores morais e com a rapinagem econômica oficializada por seus mandatários
nas diversas esferas do Poder.
Na amarga constatação de que todos os sonhos se acabaram
diante do descrédito em quaisquer ideologias, sistemas de governo e partidos , com seus pretensos líderes e falaciosos
representantes da vontade popular revertendo para seu exclusivo benefício o
que deveria ser a propagação do bem comum.
E é a este tipo de manipuladores do domínio e da submissão que
More atribui como “principal causa da miséria pública, a partir da ociosidade
dos que se nutrem a custa do suor dos outros”. No desconhecimento das noções
básicas dos recursos econômicos “enquanto para o mais frívolo de seus prazeres
são pródigos até a loucura”.
Ao transmutar para a escritura dramatúrgica o rico inventário
político, social e filosófico desta secular Utopia, a direção de Moacir
Chaves optou por uma teatralidade de tese que provocasse uma pulsante
prevalência da reflexão ainda que isto, por vezes, conduza a um menor avanço dramático no dimensionamento psicológico/emocional.
E mesmo com o enfrentamento do desafio de um certo didatismo que periga conduzir a uma narrativa tediosa onde a linguagem
literária em busca de seu alcance ideológico não consegue , às vezes, ser energizada cenicamente no deslocamento da ação para o onirismo de intencionalidade crítica.
Na dúplice composição da performance, o feminino através do sensorial afetivo e da
fisicalidade de Josie Antello é enunciado em atávico e autoral gestual
coreográfico, sob singularizados acordes(Tato Taborda), fazendo dançar a palavra , em contraponto, à palavra filosófica visualizada e
corporificada através do ator Júlio Adrião, como um convicto personagem porta
voz do ideário de Thomas More.
Mas não deixando de persistir uma equilibrada dialetação entre os dois atores nas
passagens textuais, existindo também um particularizado revezamento
sequencial com a repetição enfática do já discursado ou com súbitas variações na tessitura dos falares, entrecortados entre pausas de silencio.
Numa sobriedade cenográfica com luzes apenas ambientais (Aurélio de Simoni) onde só aparecem uma pequena
mesa, bancos e um ipod conectado a uma caixa de som que os próprios atores acionam,
figurinos( Inez Salgado) em tons ocres, de referência quase conventual em Julio Adrião enquanto há
maior detalhamento e elegância na indumentária de Josie Antello.
De funcional simplicidade, as marcações de Moacir Chaves, enfim, facilitam
a apreensão do tônus filosófico/político destas falas amparadas na liberdade do pensar, estabelecendo um sutil registro de ironizado humor para melhor
adesão e cumplicidade palco/plateia.
Na proposta por uma gramática cênica circuladora de idéias capaz, assim, de sintonizar contundentes lições quinhentistas de uma obra luminosa com o ceticismo e os desalentos contextualizados na nossa sombreada contemporaneidade sócio/político.
Wagner Corrêa de Araújo
Na proposta por uma gramática cênica circuladora de idéias capaz, assim, de sintonizar contundentes lições quinhentistas de uma obra luminosa com o ceticismo e os desalentos contextualizados na nossa sombreada contemporaneidade sócio/político.
Wagner Corrêa de Araújo
UTOPIA D - 500 ANOS DEPOIS está em cartaz no Centro Cultural Parque das Ruínas/Santa Tereza, sábado e domingo, às 19h30m. 60 minutos. Até 01 de abril.
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