FOTOS/KAIO CAIAZZO |
“Não escrever sobre a
violência é não escrever sobre nosso
tempo”. Um dos paradigmas da obra do escritor, poeta e dramaturgo inglês Edward
Bond(1934) que, em suas quase cinquenta peças, tornou-se porta voz de um teatro que, em sua radicalidade
e crueza, provoca o espectador enquanto o leva à conscientização sobre um mundo
fora do eixo.
Ao apresentar, em 1965, a trama cáustica e iconoclasta de Saved como um retrato comportamental de
seres desumanizados pela monstruosidade de seus atos e pela irreverência e
desprezo a quaisquer limites morais, ideologias
políticas, conceitos filosóficos e dogmatismos religiosos, abalou as estruturas do Império
Britânico. Mas acabou contribuindo, paralelamente, para o relaxamento às resistentes regras censórias no universo das artes cênicas.
O questionamento visceral , não menos incomodo e sem
disfarces, tanto na sua textualidade como na sua estética quase trash , faz com que a estrutura textual
de Edward Bond Para Tempos Conturbados, inspirada a partir do autor inglês e
contextualizada na contemporaneidade brasileira, com dramaturgia de André
Pellegrino e direção de Daniel Belmonte, tenha visibilidade na sua sintonização com a patética realidade por nós
vivenciada.
Às custas de um processo de marginalização econômica e de uma
esquizofrênica violência social com o absoluto descrédito em quaisquer valores. Especialmente
quando a institucionalização da ordem e
progresso de uma nação é apenas um disfarce para as falácias de um sistema
de governabilidade em crise.
Na entrega à performance por cinco atores(Fernando Melvin,
João Sant’Anna, Alice Morena, Leonardo Bianchi, Livia Feltre) e uma convicta
atriz narradora (Susanna Kruger), funcionando como um alter ego enunciador do pensamento de Bond.
E no estabelecimento de uma relação palco/plateia, visibilizando
situações arquetípicas em clima de pânico, ao compasso de tempos conturbados e sem nenhuma
sinalização de saída ou solução de apaziguamento.
Atirando facas para todos os lados numa encenação seca e
direta, energizada pelo comando direcional de Daniel Belmonte , jogando na cara
verdades marcadas com sangue e vísceras em incisivos quadros cenográficos(Julia
Marina/Ana Beatriz Barbiere). Sob efeitos luminares (Irmãos Mantovani) ressaltando
estranhamentos emotivos e exasperações sonoras (Daniel Belmonte, Antônio Nunes, Pedro
Nêgo).
Alterativo da adequação indumentária(Anouk Van Der Zee) à exibição da fisicalidade desnuda, sem quaisquer pudores, e no desbloqueio de uma verbalização desbocando em ironia e sarcasmo, extensivos a uma proposital anarquização gestual(Kallanda Caetana). Ou ao riso
grotesco quando identifica nostálgicas lembranças familiares com protótipos de personalismo tirânico na brutal manipulação do poder
e da submissão.
Se, por vezes, estes rompantes de desaforo e transgressão beiram o risco do exagero e a iminência do apelo panfletário, podendo causar ocasionais sintomas de insegurança à representação, por outro lado,
estabelecem pontes de dialetação brechtiana
entre atores e espectadores.
Que, mesmo a partir de postulações incitadoras do niilismo existencial, podem
abrir as portas da percepção crítica, através da solidez de um teatro com folego e coragem para o enfrentamento das adversidades do status quo urbano e das
contradições da condição humana.
Wagner Corrêa de Araújo
Edward Bond para Tempos
Conturbados está em cartaz no Teatro Poeira/Botafogo,
quinta a sábado, às 21h;domingo, às 19h. 70 minutos. Até 29 de abril.
Nenhum comentário:
Postar um comentário