FOTOS/ JOÃO CALDAS |
“Todo o meu teatro tem a marca de minha passagem pela
reportagem policial. E tanto mais que foi aí que eu conheci o
cadáver, porque os defuntos que eu tinha conhecido, havia uma certa distância
entre mim e eles. Eu olhava, mas não me tornava íntimo. Agora, o repórter
policial , este sim, torna-se íntimo do cadáver e da morte”.
Em Boca de Ouro, mais uma vez, esta assertiva prevalece, pois
aqui como no Beijo no Asfalto, o ponto de partida é uma reportagem policial.
Havendo ainda o referencial do cadáver vilipendiado e despojado do sonho post mortem que o
alimentara em vida – a glorificação cerimonial fúnebre como vingança ao
desprezo de seus contemporâneos.
Tanto a Zulmira (A Falecida) como o bicheiro nominado como Boca de Ouro sonham com enterros de tal prepotência luxuriante capaz de causar
inveja tanto nas vizinhas suburbanas da
primeira como nos rivais de oficio
criminoso do mandatário cafajeste dos morros.
Aqui, na concepção direcional/cenográfica/indumentária de Gabriel Villela, com teor
vampiresco/sanguíneo, na personificação de um Drácula de Madureira ao
substituir, por acintoso exibicionismo de poder, sua arcada dentária por uma
prótese de ouro.
Onde um dos mais míticos personagens do inventário
dramatúrgico de Nélson Rodrigues, com sua trama se desenvolvendo, propìciamente, na permissividade de seu psicologismo autoral por um prevalente sotaque de
delírio, é conduzido a alegorias
carnavalescas, alterativamente entre uma redação de um jornal
sensacionalista e uma gafieira.
Nos flashbacks que reconstituem sua trajetória marginal, entre
amores e crimes, nos relatos oponentes de dona Guigui(Lavínia Pannunzio), ex-amante do Boca de Ouro (Malvino Salvador), provocados pelo
repórter Caveirinha(Chico Carvalho). Envolvendo, em versões contraditórias, os amasiados Celeste(Mel Lisboa) e Leleco (Claudio Fontana).
E é , exatamente, através do não rigorismo realista que os
figurinos se inspiram, ricamente emoldurados por sedas,cetins, purpurinas e
dourados, na imaginária carnavalesca com sutis referenciais à simbologia
farsesca das personificações teatrais, ressaltados por um desenho de luzes(
Wagner Freire) entre sombras.
Ampliada por um ostensivo visagismo(Claudinei Hidalgo)
favorável à mascaração e por um ironizado
gestualismo melodramático( Rosely Fiorelli), capaz de atender a uma trilha
nostálgica de sambas-canção, às vezes um pouco
reiterativa, para piano (Jonathan Harold) e voz(Mariana Elizabetsky),de
Dolores Duran a João Bosco, passando por Herivelto e Lupicínio Rodrigues.
Numa montagem em que a direção usa e abusa dos efeitos visuais,
da exacerbação de cores dos figurinos entre meios tons luminares, com uma grandiloquência
barroquista que se potencializa, embora criticamente, na dramaticidade novelesca da fisicalidade.
Ainda que o protagonismo titular( Malvino Salvador) seja ofuscado, na menor visceralidade de sua caracterização do escárnio de um estereótipo da criminalidade malandra anos 50/60.
Ainda que o protagonismo titular( Malvino Salvador) seja ofuscado, na menor visceralidade de sua caracterização do escárnio de um estereótipo da criminalidade malandra anos 50/60.
Mais convictas e convincentes na idealização autoral e da
textualidade original acabam sendo as personagens assumidas , com vigorosa entrega, por Claudio Fontana(Leleco) e Chico Carvalho (Caveirinha).
Enquanto o
delineamento dos contornos de compreensão
dos papéis femininos alcança intensidade nas flutuações emocionais de Lavínia
Pannunzio( Guigui).
E materializa-se nas nuances sensoriais, de irradiante singularidade , que Mel Lisboa confere
a Celeste fazendo sua personagem alçar o voo mais alto desta representação.
Conduzida, é claro, em sua integralidade conceitual –
estético/dramatúrgica - na habitualidade da energia inventiva e da autoridade cênica de Gabriel Villela.
Wagner Corrêa de Araújo
BOCA DE OURO está em cartaz no Teatro Sesc/Ginástico/Centro/RJ, sexta e sábado, às 19h; domingo às 18h. 110 minutos. Até 25 de fevereiro.
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