FOTOS/JÚLIA RÓNAI |
Na história da ópera, a quinta criação de Giacomo Puccini – Tosca - tem um caráter emblemático. Se sofreu críticas
por uma certa indefinição estilística, no entremeio entre o verismo italiano e uma tímida tentativa de avanço na estética wagneriana, por outro lado
está ligada a fatos curiosos em torno de sua concepção.
Em primeiro lugar sua origem teatral . Do então popular
dramaturgo francês Victorien Sardou
que, ao lado de outra peça sua - Fedora
,foram marcos na carreira da atriz Sarah
Bernhardt . Tendo ambas inspirado, ainda, os libretos de óperas com titularidade similar , a de Puccini e a de Umberto Giordano, esta última de 1898.
Na especificidade da Tosca,
sua nuance de forte aporte teatral, tornou-a extremamente exigente no que se
refere à sua representação de ópera como drama. O que, muitas vezes, é deixado
de lado com a priorização apenas melódica. Por isto mesmo, memorável é a performance da Callas no papel , com a densa sincronicidade de seus dotes de atriz e cantora.
Outrossim, é interessante constatar que , embora composta em
1900, nos albores da arte cinematográfica, na sua progressão dramática há indeléveis
traços desta linguagem.
Quase como num thriller
de climas policialescos/políticos e drama psicológico em suas pulsões de
sexualidade, violência, vilania, cobiça e vingança, satanismo e religião.
Variado cromatismo sensorial que pode
ser muito bem explorado por uma direção cênica pontuando, em contínua
intensidade, trama e música.
Nesta Tosca , há uma perceptível intenção crítica de sua
direção e concepção cênica (André Heller-Lopes) de imprimir –lhe estas
características. Não só na prevalência do aspecto formal como nas suas
investidas no território emotivo da representação, buscando a fuga da perigosa atração
pelo melodramático /folhetinesco.
Com um belo resultado na arquitetura cenográfica (Juergen
Kirner/Manoel Puoci) que sintoniza alterativo realismo e essencialidade plástica.
Da ambiência sacra do primeiro ato à imaginária cristã do gabinete de Scarpia à soturna ambientação da cela
prisional de Cavaradossi e do terraço
do castelo, numa mix transubstanciação religiosidade/criminalidade.
Todos eles sob o transcendente referencial metafórico de um “leitmotiv visual” – o busto de um Cristo fragmentado, sob incidências luminares(Fábio Retti) entre sombras.
Todos eles sob o transcendente referencial metafórico de um “leitmotiv visual” – o busto de um Cristo fragmentado, sob incidências luminares(Fábio Retti) entre sombras.
Com uma rica indumentária(Marcelo Marques) , apenas com um
tom acima na exorbitância aquarelada do coro no Te Deum e no desacerto do figurino “mouro” de Spoletta( Geilson Santos ) qual um Otello verdiano invadindo a cena pucciniana .
A condução musical de um experimentado maestro (Marcelo de
Jesus) de óperas revelou segurança ao sublinhar a modulação das passagens lírico /dramáticas e
a diversidade de coloridos tonais pela OSTM. Com mais um apurado resultado de Jésus Figueiredo
frente ao Coro do TM, num sublimado Te
Deum.
Priorizando, sem esquecer a contribuição valiosa, entre altos
e baixos, do elenco coadjuvante, o tríduo protagonista expandiu-se em cena com dignidade, irradiando-se
tanto como cantores/atores , tanto como
personagens.
O tenor Eric Herrero , a cada dia crescendo mais em sua maturação
técnico/vocal, mostrou consistência nos ardentes arroubos do seu Mario Cavaradossi, com harmônico alcance lírico na incorporação de suas projeções dos agudos, de Recondita Armonia a Et Lucevan le Stelle.
O Scarpia do baixo/barítono cubano Homero Pérez-Miranda tem uma textura
de virilidade vocal impositiva no registro de seus matizes para um papel que requer um pathos de maldade e frieza, especialmente no segundo ato ( Già Mi dicon venal).
Com um timbre vocal de gradações ainda cativantes para sua idade, a soprano
Eliane Coelho deu a esta Tosca o
necessário presencial de uma prima donna, mesmo com os naturais desafios para
uma artista na última fase de uma carreira brilhante.
E mereceu, sem dúvida, a cumplicidade e o aplauso entusiasta
do público por um performance de elegância ,
afinação e de vocalização ainda convincente.
Demonstrando autoridade
cênico/musical para enfrentar, com laminar resistência, rounds míticos como o Vissi d’Arte, um instante feroz e um paradigma
de bravura na trajetória da ópera .
Wagner Corrêa de Araújo
TOSCA está em cartaz no Teatro Municipal /RJ, dias 22,23,27,29, às 20hs;domingo, às 17hs. 130 minutos. Até 29 de setembro.
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