“Bato à porta da pedra/-Sou eu, me deixa entrar./Quero penetrar no teu interior,/olhar em volta,/Te aspirar como o ar./-Vai embora-diz a pedra./Sou hermeticamente fechada”.
O poema de Wislawa Symborska ( Conversa Com a Pedra), como prólogo
da peça Poderosa Vida Não Orgânica Que
Escapa, retoma os referenciais
artísticos/literários, sempre com teor poético/reflexivo, no incursionar
dramatúrgico de Diogo Liberano.
Se traços memorialísticos/confessionais materializam em O Narrador, bases do oficio literário pela
tradição oral , num mix pensar Leskov/Walter Benjamin , ou na sua releitura do
romance/filme Os Sonhadores , entre Gilbert Adair e Bertolucci, desta vez a
investigação parte de uma novela gráfica de Will Eisner – O Edifício.
Esta narrativa quadrinizada traz, agora, a marca de
Eisner nas suas abordagens do insólito cotidiano
urbano e domiciliar da grande metrópole. Com presenciais recursos da linguagem cinematográfica
e das artes gráficas para tematizar, literalmente, a ascensão e a queda de um
prédio octogenário e os inquilinos fantasmais dos seus três andares.
Na transposição da companhia Teatro Inominável um tríptico desempenho, alterativo em sua diferencial personificação, estabelece
a função performática dos atores André Locatelli, Livs Ataíde e Diogo
Liberano, este em dúplice acionamento, autoral e interpretativo.
Onde uma singularizada concepção cenográfica, num aporte minimalista, propicia travessias entre o real e o imaginário, através de uma micro/
estrutura em metal. Que, manipulada pelo atores e por efeitos projecionais de
contraluzes ( Diogo Liberano/Thais Barros), sugestiona no telão frontal as
estruturas de um edifício em processo construtor e demolidor.
No alcance de simplicidade funcional com potencial efeito
estético/iconográfico capaz, também, de
remeter a um repositório instantâneo de passagens com sutis traços plásticos e cinematográficos.
E possibilitando a integração da performance num clima verista/metafórico, entre uma
simpática e instintiva espontaneidade gestual( Andrêas Gatto/Gunnar Borges/Márcio Machado) e
uma convicta entrega à representação por um jovem e consistente elenco.
Sob o comando diretor de Thais Barros que, sabendo revelar
surpresas num jogo teatral de necessária contenção técnico/artística,
estabelece o dimensionamento psicológico e o contraponto critico entre os anseios e a solidão dos
personagens.
Dramatizando um conflito de vontades na sua obsessiva busca por portas que se abram para a carência, o vazio e o anonimato da grande cidade.
Ainda que insistam em “entrar
e sair com as mãos vazias" e sem “mostrar
nada além de palavras às quais ninguém dará
fé”, mesmo com as respostas ôcas da pedra/poesia: ‘sou hermeticamente fechada/não tenho porta/vai embora"...
Wagner Corrêa de Araújo
PODEROSA VIDA NÃO ORGÂNICA QUE ESCAPA está em cartaz no CCJF, Cinelândia/RJ, de sexta a domingo, às 19h. 60 minutos. Até 24 de setembro.
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