A imagem-movimento e a imagem-tempo, conceitualizadas por
Gilles Deleuze em seus estudos sobre o “cinema do corpo”, repercutem,na
contemporaneidade, a estreita relação estética entre a dança e o cinema.
Desde a inicialização cinematográfica, com suas primitivas
experimentações de uma fotografia em “real motion” nas Serpentines Dances
(inspiradas pela coreógrafa/bailarina Loïe Fuller) até a ousada animação do Pas
de Deux, de Norman McLaren( 1968).
Sem esquecer as primeiras
interferências fílmicas nos anos vinte(do Ballet Mécanique/ Léger ao
Entr’acte /René Clair) no ballet Relâche de Francis Picabia. E nos
efeitos/cinema , da concepção coreográfica/teatral de Pina Bausch ao mix de
takes reais e digitais nas criações da vídeo/dança.
Numa singular proposta de inversão da tela para o palco, a
mais recente investida da Focus Cia de Dança, através de seu criador/mor Alex
Neoral , ressignifica a expressão latina da essencialidade no
substitutivo vocabular de “sine” para a
titularidade do seu Cinequanon.
Com seu referencial ao cinema por gêneros, figurinos,
trilhas, cenas, títulos, o espetáculo transforma o palco numa tela viva. E
,assim, impulsiona uma trajetória do olhar entre o sensorial onírico e a
percepção imagética/sonora dos elementos técnicos, oriundos de uma câmera
metafórica em percurso coreográfico.
Na sua retomada documental fílmica que peca , às vezes, por um excesso de frases
(coreo)cinéticas confundindo a apreensão
do écran mental de cada espectador, Cinequanon concretiza , por outro lado, uma
inusitada experiência de filme cênico/performático.
Onde a presencial fisicalidade dos bailarinos (Alex Neoral/Carol Pires/Clarice Silva/Cosme
Gregory/Felipe Padilha/Gabriel Leite,/Márcio Jahú/Mônica Burity) estabelece ,
com elegante e instintiva gestualidade, um lúdico, enérgico e envolvente jogo
cine/teatral.
Completado na sintonia das texturas dos figurinos (André Vital/Mônica Burity) com
os efeitos especiais óticos induzidos por um potencial desenho de luz( Binho
Schaeffer), ao lado da recriação, entre ruídos, fraseados e citações
incidentais, de um amarrado score de trilhas sonoras(Felipe Habib).
Alex Neoral soube explorar o palco com preciso sincronismo
orgânico dos códigos do cinema e da dança. Fazendo girar sua “câmera coreográfica”no alcance
de tomadas de ângulos diversos, da
projeção de grandes closes a planos
gerais interativos palco/plateia.
Se a esta incursão cinema>dança>tela>palco faltou
apenas uma maior decupagem do fragmentário legado fílmico com ocasionais
prejuízos do ritmo, como um balé de "planos-sequência"pode a ele ser
atribuído, com certeza, o resultado dziga vertoviano de "eficaz
coreografia dirigindo e mediando o olhar do espectador pela câmera".
Wagner Corrêa de Araújo
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