FOTOS/JULIO RICARDO |
Guanabara Canibal é o terceiro momento da incursão dramatúrgica no imaginário das acontecências do que foi caracterizado como “violência legal” na trajetória histórica da cidade do Rio de Janeiro, inicializada com Cara de Cavalo(2012) e, a seguir, com Caranguejo Overdrive(2015).
E é este recalque de uma violência, vivenciada em nosso cotidiano, que é retomado. Desde a chegada dos colonizadores portugueses e dos invasores franceses, no despontar deste quase meio milênio de uma cidade maravilhosa e de um país do futuro chamado Brasil. E perceptível tanto no inventário teatral de Pedro Kosovski como na concepção estético/diretorial de Marco André Nunes para Guanabara Canibal.
Ao mostrar a crueldade das manipulações e a transgressiva ocupação, pelo
acionamento físico e pelo psicologismo repressivo, no desmonte dos instintos
nativistas , simbolicamente a peça está se referindo ao substrato memorial deste
comportamento odioso, entre séculos. Valendo sempre, nesta perpetuação, a infâmia
privilegiada dos mais fortes, não importa se na condição de estabelecidos , aliciadores ou marginais.
Num teatro físico e ritualístico, com seu contraponto de visceral
representação de linguagens artísticas
diversas, Marco André Nunes (em dúplice concepção com Marcelo Marques) estabelece
uma instalação cenográfica impactante.
Dividida a plateia ao meio numa mix ambiência visual/ sonoro/sensorial propiciadora de uma
viagem lisérgico/sideral, mas capaz de
incomodar corações e mentes com sua nuance questionadora, não escapando, outrossim, de ocasionais excessos na sua reiteração
metafórico/verista.
Onde a indumentária(Marcelo Marques) e o visagismo (Joseff
Cheslow) de incisiva atemporalidade sintonizam-se no jogo de luzes entrecortadas
(Renato Machado) e num gestual brusco(Toni Rodrigues) amparado em dissonâncias roqueiras e acordes minimalistas, na sinergia quase
agressiva da trilha ao vivo(Felipe Storino e banda).
Deslocando sua fragmentária progressão dramática para um clímax de delírio onírico e tensão corporal,
exige arrojo e exaltação no seu ato de desentorpecer o silencio da história
oficial. E contando, assim, com o impositivo
presencial do seu elenco irradia ,
com terra, sangue e alma, um desempenho denunciativo/cerimonial.
No componente marcante das vozes e máscara de João Lucas
Romero e Reinaldo Júnior, na entrega reveladora do menino Zaion Salomão, e, em
situações/limite, na furiosa corporeidade de Matheus Macena e na rompante incorporação
da revolta e da dor em Carolina Virguez.
Wagner Corrêa de Araújo
GUANABARA CANIBAL está em cartaz no Teatro III do CCBB/Centro/RJ, de quarta a domingo, às 19h30m. 80 minutos. Até 15 de outubro.
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