Há uma identificação conceitual nas três versões
coreográficas inspiradas na partitura sinfônica de Sergei Prokofiev para o
balé Romeu e Julieta respeitando,
como a música, a marca programática que conduz a linearidade da dramaturgia shakespeariana.
Enquanto a de Leonid
Lavrovsky, a original para o Bolshoi
em 1940, e a de Kenneth MacMillan
para o Royal Ballet em 1963,
carregaram mais nas nuances psicodramáticas que antecipam a solução terminal, há
um tratamento mais leve na concepção de John Cranko de 1962. Sem invalidar, é
claro, o árido trajeto que conduz à tragicidade
do suicídio dos jovens amantes.
A versão de Cranko é a que mais se insere, com assumida espontaneidade
e bem humorado espírito, para reproduzir o cotidiano alegre de uma provincial Verona capaz, no entremeio à adversidade, de se
divertir enquanto rola a insensata rivalidade no poder patriarcal.
Nas cenas de rua, há um clima de ludicidade circense,
acentuado por aquarelados figurinos campônios e signos carnavalescos, de energizada
mobilidade com direito a saltos, piruetas
e acrobacias. E onde os populares arremessam para o alto as frutas da feira diante
das iminentes ameaças fratricidas nas classes dominantes.
Havendo, por outro lado, o contraponto de obscuro cerimonialismo
aristocrático na indumentária pesada e nas almofadas de reverência do baile de máscaras dos Capuletos, na cena que mais se aproxima da versão soviética. E, comparada
à de McMillan, com a exigência técnica não
levada à prevalência do exibicionismo virtuosístico, o que torna simétrica e mais
substancial a interpretação teatralizada nas cenas coletivas de lutas de rua.
Acompanhando o ideário estético de Cranko, o artesanal e
armado olhar de Márcia Haydée, para quem foi criado o papel protagonista em seu
tempo estelar no Stuttgart Ballet, direciona seu comando artístico na
reprodução a mais fidedigna possível da obra de seu mentor.
Nos figurinos de época e na cenografia realista, em dois planos, capaz de sugestionar tanto
as cenas de amor no balcão, de onde Julieta desce pelos ombros de Romeu para o
extasiante pas de deux de amor ou
servindo de varanda para a procissão fúnebre do ato final. Extensiva a uma
matizada iluminação, no contraste entre luzes solares a alterativos efeitos
luminares, entre tessituras ambientais, ora romantizadas, ora sombrias.
Quanto à performance do Ballet de Santiago, integralizada numa
estética de teatro coreográfico, há a perfeita sintonia de elementos técnico/artísticos
com a potencial atuação do elenco sabendo, sobretudo, acentuar na fisicalidade
e na mascaração, a carga de
expressividade teatral que a coreografia propicia aos bailarinos.
Numa montagem de grande funcionalidade, pelo perceptível
acerto dos elementos cenográficos e indumentários (Elisabeth Dalton) e pela entrega dos seus intérpretes, como
atores/bailarinos, aos respectivos personagens viabilizando, assim, sua
proposta de equilíbrio entre técnica e emoção, teatro e dança.
Alternando os papeis protagonistas da atual turnê brasileira,
na noite de estreia, os solistas dos papéis titulares eram uma mais amadurecida
Julieta (Natalia Berríos) com precisa leveza e flexibilidade para o papel e destacando-se
mais em seu desempenho que um recatado Romeu (Emmanuel Vázquez), cronologicamente mais
jovem e com menor dimensionamento artístico que sua partner.
Cumprindo suas funções de um gestual de prevalência mais hierática,
foram dignas as atuações dos outros personagens, como uma envolvente ama (Francisca
Montenegro) e um imponente Páris (Christopher Montenegro Fernandez).
Cabendo a Lucas Alárcon (Mercucio) com uma tipicidade longilínea,
impressionável destreza técnica e cativante presencial facilitado por seu papel,
o mais entusiasta aplauso na brilhante première
da temporada da Cia chilena em palcos
brasileiros.
Wagner Corrêa de Araújo
Romeu e Julieta(Ballet de Santiago) está em cartaz no Theatro
Municipal RJ, sexta e sábado, às 20h;domingo, às 15h. 150 minutos. Até 12 de
agosto. Seguindo para São Paulo e Curitiba.
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