FOTO BY PAULO CALDAS |
O instinto da maldade atravessa a trajetória humana e está
presente, irremediavelmente, desde a aparente ingenuidade das mentes na infância.
Quando foi estabelecido o universo dos contos de fadas a
proposta imediata era condicionar, pelo medo, diante das atrocidades cometidas
por bruxas, madrastas, gigantes desalmados, o comportamento pueril, onde a
redenção pelo bem só era possível após as transgressões pelo mal.
Ao lado dos patinhos feios e das cinderelas humilhadas, havia
a vingança violenta das crianças/vítimas empurrando a bruxa na fogueira ( João
e Maria) ou matando o gigante para ficar com sua fortuna( Jack e o Pé de Feijão), lembrando apenas dois exemplos clássicos.
O dramaturgo irlandês Martin McDonagh transmuta o universo infantil
na maledicência temática de “The
Pillowman – O Homem Travesseiro”. Aqui as narrativas ficcionais de assassinatos
dos pequeninos pelo personagem/escritor Katurian(Flávio Tolenzani) provocam seu torturante interrogatório pelos policiais
Tupolski( Daniel Infantini) e Ariel ( Bruno Guida).
Suspeito pela incitação e prática criminal, Katurian aguarda
o confronto/testemunho do irmão/alienado
mental Michal( Bruno Autran),com interferência em papéis alternados , de menor relevância, do ator Wandré Gouvea, num inquietante clima totalitário de desafio à
liberdade de expressão.
Toda esta série narrativa de crimes , desgraças e
disfuncionalidades familiares é desenvolvida em planos simultâneos de opressiva
tragicidade, uma história dentro de outra história, ora no delírio subjetivista,
ora na violentação exteriorizada.
Num sarcástico referencial ao Flautista de Hammerlin , a
salvação da fatalidade está nos dedos amputados de uma criança. Ou na imitação de
Cristo por uma menina, quando os pais levam a filha ao martírio da crucificação. Enquanto o
travesseiro titular é arma assassina capaz de livrar, pela morte,pais insensatos do circuito doméstico e filhos fragilizados das tragédias futuras .
A assustadora arquitetura cênica (Ulisses Cohn) sob luzes
sombrias(Aline Santini) e figurinos de soturno sugestionamento(Glória Coelho) ,
revela uma ambiência de grotesca bufonaria. Onde uma enérgica direção (Bruno
Guida/Dagoberto Feliz) impede qualquer hesitação de um convicto elenco, desafiado pelas caracterizações de terrífica expressividade.
Entre vítimas e agressores, poucas vezes , com tanta crueza e
verdade, é atingido, teatralmente, o cerne conceitual dos meandros sinistros da tortura
seguida pelo homicídio , de triste lembrança e clamores ainda recentes em nossa realidade.
Para seu autor: “Adoro escrever sobre coisas por mais
terríveis que possam ser”.
E quão elas ecoam,aqui, dolorosas, cáusticas, destemidas sob o fio da
navalha e à beira do abismo...
Sem fingir boas intenções, em sua incisiva estética, que “The Pillowman
– O Homem Travesseiro” alcance em cada um de nós, na sua temível mensagem, os necessários questionamentos e as reflexivas ressonâncias.
( THE PILLOWMAN - O HOMEM TRAVESSEIRO está em cartaz no Teatro Poeirinha, Botafogo, de quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Até 01/novembro.)
( THE PILLOWMAN - O HOMEM TRAVESSEIRO está em cartaz no Teatro Poeirinha, Botafogo, de quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Até 01/novembro.)
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