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FOTOS/CAIO GALLUCCI |
“Esse livro, incessantemente
reescrito, esta infatigável peregrinação através do arquipélago dos sonhos e
dos corpos, sobre o oceano, onde cada vaga é uma alma, essa odisséia sob um céu
vazio faz de Melville o Homero do Pacifico". Pensar conceitual de A. Camus, admirador
confesso de Moby Dick, para esta emblemática saga ficcional sobre o fatídico
enfrentamento do destino da humanidade contra as forças da natureza.
E que pode ser um referencial para mais uma releitura
dramatúrgica, sobremaneira inventiva e questionadora, com significante titulação - Eu,
Moby Dick – da lavra autoral de Pedro Kosovski, em provocador conluio concepcional
com a direção de Renato Rocha para um soberbo staff tecno/performático.
Onde há uma funcional integralização de linguagens
artísticas em espetáculo que se expande, no substrato de instigante
textualidade, com o olhar armado na problemática do homem e do planeta, mas com
especial direcionamento reflexivo para o patético e obscuro momento político brasileiro.
Indo além de uma trama de aparente temporalidade que, das
passagens seculares de 1851 a 2019, vem inspirando uma diversidade de interpretações,
não só pelas livres transposições do original literário destinadas ao teatro e ao cinema,
mas nas suas contextualizações filosófico e (ou) políticas.
Do dimensionamento psicológico e subjetivista de cada
espectador à sua clara alusão comparativa, com irônica vizinhança paranoica, do
Capitão Ahab comandante do baleeiro Pequod no Pacífico Sul e um certo Capitão com governança
abaixo da linha equatorial.
Assim, há uma dúplice proposição dos personagens-atores
assumindo sua própria identidade nominal, sob uma similar fala “Podem me chamar
de ...Gabriel Salabert, de Kelzy Ecard, de Márcio
Vito e de Noemia Oliveira. Numa
perspectiva de textualidade sob narrativa literária, ora de desconstrução ora
remissiva ao original romanesco, na literalidade de suas instantâneas leituras alterativas entre o
elenco.
Onde os iminentes riscos de uma representação discursiva são
evitados por uma energizada fisicalidade irradiando e fazendo dançar as palavras
em cada gesto, num envolvente resultado dramático/coreográfico (Paulo Mantuano).
Sob um sensorial score sonoro/musical (Felipe Habib e Daniel
Castanheira) mixando, entre acordes e ruídos, os movimentos marítimos, ondas,
ventos e águas revoltas na aproximação da baleia e na sequencial agitação no
convés para o confronto decisivo com o gigante dos mares.
O que é refletido também na diferencial indumentária (Tarsila
Takahashi) à base de elementos materiais peculiares a uma tripulação baleeira,
sob aparato cenográfico de instalação plástica (Bia Junqueira), potencializando mágica interatividade palco/plateia, sob a cobertura da impactante imaginária de uma espinha
dorsal de baleia.
Ressaltando-se toda esta
ambientação onírica no mix dos artifícios luminares (Renato Machado) e
dos díspares efeitos videográficos/projecionais (Renato e Rico Vilarouca) favorecendo, enfim, imersiva pulsão de delírio, num clímax de surpreendente tensão e prazeroso mistério.
Um sólido quarteto teatral, em belo desempenho coletivo, atrai
a cumplicidade do público emprestando dignidade a personagens multifacetados
entre as tipificações do escritor Herman Melville e as personificações das
individualidades atorais, insufladas pela proposta dramatúrgica.
Mesmo com a implacável conclusão do romance de que a terra nunca
será um paraíso e que o céu continuará
vazio, o pleno domínio diretorial (Renato Rocha) e a eficaz contribuição da dramaturgia (Pedro
Kosovski) para este Eu, Moby Dick, transmutam seu palco num circulador de idéias, fator com premente urgência para tempos de tanta
indagação e de tamanha incerteza.
Wagner Corrêa de Araújo
EU, MOBY DICK está em cartaz no Oi Futuro/Flamengo/RJ, de quinta a domingo, as 20h. 80 minutos. Até 28 de julho.
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