FOTOS/GUSTAVO WABNER |
“Você devia confiar a
mim os seus problemas!! As pessoas que enxergam não sabem que as coisas mais
importantes e decisivas na vida de um homem não podem ser vistas, então, em
nada me atrasa ser cego!”...
Além das incursões literárias, Claudia Barral vem desenvolvendo
um ofício autoral dramatúrgico, da Bahia, sua terra natal, para São Paulo, destacando-se,
sobremaneira, por sua peça inicial O Cego
e o Louco que lhe rendeu distinções, como uma elogiada versão roteirizada para
a TV Cultura, em 2007.
Chegando, agora, aos palcos cariocas, na dúplice performance
de Alexandre Lino e Daniel Dias da Silva, sob o comando direcional/conceptivo
de Gustavo Wabner. Configurando-se, ainda, no repertório da Lunática Companhia de Teatro, como
primeira peça nacional, depois de sólidos textos de autores hispano americanos
da atualidade.
Na aparente simplicidade de uma linguagem direta e de substancial
aporte cotidiano, a progressão dramática desta encenação vai desvendando um
imanente conflito afetivo na “convivência" de dois irmãos dividindo carências e sonhos sob um solitário teto.
Em que Nestor (Alexandre Lino), o primogênito, diante das
agruras da escuridão diária de um cego, extravasa seu poder de domínio e submissão
da personalidade mais intimidada de Lázaro (Daniel Dias da Silva).
Este, por sua vez, compensa os insistentes reclames do irmão
sob a feliz expectativa da visita de uma
vizinha. Ambos, enfim, incitando oprimidos desejos de uma difícil aproximação
feminina, no limite de falazes promessas telefônicas.
No sugestionar este dia-a-dia de dois homens de idades não
claramente definidas, identificando-se por laços sanguíneos/fraternais, a
paisagem cenográfica (Sergio Marimba) imprime referências mobiliares/materiais
de um tempo passado conexo a um figurino (Victor Guedes) quase à antiga.
Onde a cegueira alcança, no contraponto de um desenho luminar(Mantovaniluz) sombreado, efeitos estéticos de uma tela cinematográfica de qualquer destes clássicos do neo-realismo italiano. Ampliando-se na envolvência de
um score sonoro (Tibor Fittel) com
acordes nostálgicos ecoando de uma radio/vitrola, na culminância de simbiótica cena
coreográfica (Sueli Guerra).
Contando, aqui, com uma dupla atoral afinada e integralizada no propósito de conferir autenticidade cênica e unidade
interpretativa à representação.
Do equilíbrio entre a liberdade instintiva e a concentração sensorial/dramática
que exige a personificação psicofísica
de um cego, na convicta performance de Alexandre Lino.
Como, também, na espontânea e dosada carga de interiorização com que Daniel Dias da Silva
preenche os contornos emotivos da timidez e da discrição de seu papel.
Provocando o espectador, colocado em estado de espera, para decifração
da subliminar ambiguidade da trama dramatúrgica. Oculta sob a obviedade de um realismo
acional mas sintonizada com um dimensionamento psicológico à beira de delirante
subjetivismo.
Na fronteira artaudiana
da dubiedade do ser e do não ser de personagens
sustentados entre a arte e a loucura, a artesanal conduta diretora de Gustavo
Wabner sabe, enfim, como manter aceso o suspense de um jogo teatral vivo a caminho do
inesperado...
Wagner Corrêa de Araújo
O CEGO E O LOUCO está em cartaz no Sesc/Copacabana,(Sala Multiuso),
de quinta a domingo, às 18h. 60 minutos. Até 27 de janeiro.
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