FOTOS/CRIS LYRA |
Quando a escritora britânica Doris Lessing publicou o conto Quarto
19, no final dos anos 70, a luta emancipatória da condição feminina contra o
status opressor doméstico continuava, ainda que transcorrido, então, mais de um século do grito rebelde de Madame Bovary.
Aqui, a personagem feminina aparenta superação na
identidade intelectual com o marido, arquitetada em permanente diálogo de
pensamento, onde não há conflito no contínuo e prevalente exercício da função
doméstica, entre a responsabilidade pelo lar e o cuidado dos filhos.
Solidificada, enquanto o consorte dela repete a cotidianidade de ausências por exigência profissional, no preencher o dia sem ele em bela e confortável residência, rodeada por um aprazível jardim onde brinca com os
filhos ainda pequeninos.
Mas nada disto é capaz de sufocar seu questionamento critico, no querer se afirmar mais
individualizada na postulação de suas aptidões culturais, além do anseio comportamental
pela independência, com novos ares e perspectivas imunes àquela felicidade prisional.
E onde encontrar isto sem despertar apreensões ao relacionamento igualitário e equilibrado de um casal jovem, bonito, rico e
feliz, senão num quarto barato de um hotel
qualquer, ainda que a ela sugestione a vulgaridade de serventia para encontros
sexuais.
Mas que, enfim, a
protege, isola e a faz refletir, acenando, em compasso de sonho e delírio, com um substrato de viagens pelos espaços siderais da mente. E, ainda, como fuga ao vazio sequencial das tardes, já com os três filhos em tempo escolar, e aos incômodos
reclames do lar e das criadas na perdida privacidade
de seu jardim que ela julga ocupado por imaginários intrusos.
A cuidadosa tradução e adaptação dramatúrgica da atriz
protagonista Amanda Lyra para este Quarto
19 privilegia o contexto literário original sob uma sutil releitura, com um
olhar mais armado na contemporaneidade, em tom confessional e narrativo, singularizado
na proximidade comparativa da questão social/libertária da mulher brasileira.
Em espetáculo que se transubstancia numa paisagem pictórica da solidão, com referencial dos seres e ambiências solitárias da obra plástica
do americano Edward Hopper, perceptível no recato funcional do desenho de luz e do cenário de Marisa Bentivegna.
Sabendo bem a representação de Amanda Lyra como dar convicção e consistência ao
seu papel, na força sensorial que imprime à sua vocalização e à sua
fisicalidade de contidos e episódicos arroubos gestuais.
Extensiva à envolvente simplicidade e energizada simpatia com que possibilita, em reflexivo tom coloquial de conversa olho no olho e na pulsão de corações e mentes, fluir o encontro literatura>teatro, entre a arte e a vida.
Extensiva à envolvente simplicidade e energizada simpatia com que possibilita, em reflexivo tom coloquial de conversa olho no olho e na pulsão de corações e mentes, fluir o encontro literatura>teatro, entre a arte e a vida.
Wagner Corrêa de Araújo
QUARTO 19 está em cartaz no Teatro Poeirinha/Botafogo, de
quinta a sábado, às 21h;domingo, às 19h. 80 minutos. Até 29 de julho.
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