FOTOS/ALINE MACEDO |
“Eu me interesso por novela
justamente porque ela atinge aquela zona de puerilidade que é eterna no ser
humano”.
Reflexão em que Nélson Rodrigues contextualiza suas incursões
em folhetins, no disfarce sob variados pseudônimos de mulher, alçando voos nos paroxismos
do dramalhão novelístico e exercitando,
sem eiras nem beiras, as contradições do feminino, entre a ingenuidade e o
despudor.
Inspirada em romance-folhetim, publicado serialmente no semanário carioca Jornal da Semana-Flan, em 1953, é da diretora e dramaturga Inez Viana a adaptação
de A Mentira, com a mesma titularidade original, em mais uma de suas concepções para a Cia. OmondoÉ.
Manipulando o contraponto temático, entre o segredo e a
mentira, o livro tem como foco a falsa postura pueril de uma adolescente de
catorze anos na ambiência, de conservadorismo e repressão, de uma família do
subúrbio carioca.
Onde, pela suspeita de uma gravidez, sua progressão
dramático/narrativa se desenrola na busca do provável culpado, com dúvidas e questionamentos,
desde uma atração incestuosa do pai por ela, a mais jovem das quatro irmãs, a desejos
freudianos de seu médico, passando pela acusação atribuída ao vizinho paralítico.
Sem uma clara opção pela prevalência dos desmandos da pulsão
erótica, a textualidade se vale mais das posturas, ora comedidas ora atrevidas, da personagem
protagonista. Que, a partir de sua incerta pureza juvenil, usa e abusa dos
artifícios da confusão mental e comportamental provocada no âmbito doméstico/social
por sua suposta violação sexual.
A partir de um sotaque rodrigueano fazendo convergir reportagem
jornalística e relato dramatúrgico, o comando diretorial de Inez Viana avança
na exploração ressignificante de marcas de sua obra. Pelo futebol sugestionado em enérgico gestual (Denise Stutz) confrontando os personagens como jogadores em campo, com direito ao arremesso de bolas, na continuidade, também, do atirar aleatório de sandálias de borracha.
Ou brincando com a nuance melodramática no artificialismo lacrimal
provocado por água aspergida pelos atores, simultaneamente, na face de cada um, incitando o choro que esconde melhor a mentira. Além do embate pirandelliano no
assumir alterativo de papeis masculinos ou femininos, sem caracteres de identificação
corporal ou de sexualidade.
Na composição da climática cênica (Inez Viana), um econômico uso de materiais de palco, desde a simplória indumentária cotidiana (Virginia Barros) ao reiterativo vazamento luminar (Ana Luzia De Simoni), completados
com sutil incidência musical de apelo
nostálgico.
Assumindo os tipos que integram a decomposição do circuito
familiar e das proximidades, um energizado elenco (André Senna, Elisa Barbosa, Junior
Dantas, Leonardo Brício, Lucas Lacerda, Zé Wendell), além do dúplice revezamento cênico, Denise Stutz e Inez Viana. Entregues todos à adesiva participação na partida para
decifrar podres poderes afetivos.
Num conciso teatro, quase de improvisação em seu despojamento
técnico/artístico, mas com calibrada carga à base
de peripécias físicas e dimensionamento psicológico com teor crítico. Sabendo com suas irônicas ambiguidades,
entre desaforos e rompantes, como reafirmar o mundo de Nélson pelo olhar,
armado e sempre revelador, de Inez Viana.
Wagner Corrêa de Araújo
A MENTIRA está em cartaz no Teatro Glaucio Gil, de sexta a
segunda, às 20h. 90 minutos. Temporada prorrogada até 19 de julho, com sessões nas quartas e quintas, às 19h.
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