NEDERLANDS DANS THEATER 2 /MIDNIGHT RAGA |
O ano coreográfico começou no desalento da sensação de que nenhum espetáculo de dança
entraria em cartaz. Então eis que surge, em clima de resistência, a Focus Cia de Dança , dando continuidade ao seu projeto retrospectivo, quebrando
o gelo , ainda que com uma retomada – Saudade
de Mim.
E já nos idos de maio, acontece, enfim, a primeira estreia com
a Renato Vieira Cia de Dança em Blue que, mais uma vez, se inspirou na
literatura, agora com o simbólico poema Cem
Pessoas , de Wislawa Szymborska,
para expressar o vazio das relações afetivas, numa trilha jazzística, com reunião de bailarinos
de grupos e formações diversas.
Enquanto a programação internacional fazia sua entrada com o Pilobolus , do Shadowland 2 , que no abuso de recursos tecnológicos/projecionais e
episódicas performances puramente coreográficas, decepcionou o público. Valendo
apenas pelo inventivo referencial à estética do teatro de sombras e do cinema
de animação.
Fenômeno que se repetiu com o Momix Forever, na comemoração dos 35 anos da Cia, num programa remissivo,
de sotaque antológico, de suas
realizações sob comando e idealização de Moses Pendleton. Onde o clima era do dejá vu num grande vídeo clip que só foi
capaz de impressionar, um pouco, pela atualidade do foco ecológico, nos
extratos de Opus Cactus e Botanica.
O Balé do Theatro
Municipal, detonado pela crise econômica inclusive com a perda de alguns de
seus melhores solistas, não conseguiu mostrar nenhuma obra que o caracterizasse
como a mais lídima voz da tradição
clássica no país.
Limitando-se a uma injustificada participação neoclássica, na
concepção de Peter Brook - La Tragédie
de Carmen-, menos lírica que a ópera no incisivo desnudamento psico/ físico
do personagem titular. E numa convicta atuação,
de bravura e entrega, à luta de resistência dos Corpos Estáveis do Municipal
carioca , na simplicidade eficaz, mas com forte carga emotiva, de suas
intervenções em Carmina Burana, em formato
de concerto cênico.
Os nossos dois maiores grupos de dança contemporânea
conseguiram driblar o clima nebuloso com significativos espetáculos a
partir da tradição da cultura popular dos terreiros de candomblé(Gira) e do lastro ecológico/poético da paisagem natural/humana nordestina(Cão Sem Plumas).
Na corporeidade enlameada e na expressão da ambiência inóspita
com base no poema cabralino, a Cia
Deborah Colker , num mix de
linguagens artísticas, enfrentando o risco da prevalência do imagético sobre o
gestual e a fisicalidade dos bailarinos. E o Grupo Corpo, na perfeccionista tessitura coreográfica de Rodrigo Pederneiras,
potencializada no movimento ímpar de pulsão físico/espiritual ,
celestial/profana, de seus 21 bailarinos, entre o barroquismo mineiro e a
ritualística negro/africana.
Sobrevivendo, ainda, as apresentações do Panorama, do Festival Cena
Brasil , do Dança em Trânsito e do Rio H2K, com originais registros de solos, quadros rítmicos/musculares, trilhas hip hop,
eletro/pop, funk/samba. Como Lil Buck na sua midiática( via you
tube) versão da Morte do Cisne ou
a action painting da Cie Zahrbat.
A força do “passinho” de Alice Ripoll ou a celebração do butô de Tadashi Endo, com olhar na contemporaneidade.
Sem deixar de citar um trabalho singularizado, na
interatividade corporal/urbana e na essencialidade da vídeo/dança, assinalando um momento feroz do
coletivo social/coreográfico, na série documental/fílmica de Gustavo
Gelmini.
Diversificado na rejeição da espetacularização dos efeitos cênicos,
no intimismo envolvente, sujeito/objeto, espectador/bailarino, dos requintados fraseados
musicais/corporais de Toque, com
Renato Cruz e o performer/percussionista Cyril Hernandez.
Encerrando-se o ano tormentoso, com a surpresa da criação espontânea,
instintiva, mas tecnicamente rigorosa, na espiritualidade juvenil da Nederlands Dans Theater 2 que só falhou, na temporada carioca, pela exclusão do
fundamental Cacti , de Alexander
Eckman. Felizmente substituída por Midnight Raga com suas nuances gótico/indianas em erotizado sensorial por Marco Goecke, celebrado coreógrafo europeu da última geração.
Seguindo-se , no difícil conceitual de um país perdido, entre
os desmandos, a corrupção e a regressão ao conservadorismo moral e artístico, dois simbióticos embates de posturas reflexivo/coreográficas.
O percurso , entre trincheiras e em campo minado, e o rompante grito gestual dos bailarinos das comunidades, no vigoroso trabalho de Sônia Destri Lie e sua Cia Urbana de Dança - “Cinco Passos
Para Não Cair no Abismo”.
E a visceral performance/manifesto para tempos sombrios de Renato Vieira (Blue), fechando a conturbada temporada 2017. Instaurando, assim, um transcendente
contraponto crítico para um ano em tempo de guerra sem fim.
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