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FOTOS/ANTÔNIO FILHO |
Na trilha de outros mestres do pensamento filosófico e da
meditação religiosa, como Jesus ou Buda, também Sócrates nada deixou escrito e
seus ensinamentos foram transmitidos por uma terceira voz. Este último por Platão,
que o fez personagem centralizador de seus Diálogos, especialmente a Apologia
de Sócrates e Fédon.
Tornando-se extremamente oportuna, como
indução a uma postura reflexiva pelo contraponto crítico socrático, neste nebuloso status político/social vivenciado, a ideia de se comemorar o cinquentenário da
carreira teatral de Tonico Pereira por um primeiro monólogo em que atua.
No caso, O Julgamento
de Sócrates, com textualidade de Ivan Fernandes, a partir de Platão, sem o
rigorismo da fidelidade, em direção compartilhada com o ator protagonista. Numa concepção cênica, de
propício despojamento, para que os olhares e mentes se concentrem na
compreensão do personagem e na percepção da proposta estético/ideológica.
As lições deste singular “socratismo”, com link na contemporaneidade,
primam pela simplicidade funcional, ao se deslocarem até mesmo para o cotidiano
com sotaque carioquês. Na exposição
de uma livre junção atemporal da dúplice personificação da performance, ora pelo inventário memorial do
ator ora como o porta voz do ideário ético/filosófico/político do personagem
titular.
Estabelecendo,assim, pontes metafóricas curiosas entre episódios biográficos/artísticos do intérprete e passagens do mistério socrático, às
vezes, de incrível identificação do período de controvertida governabilidade da Atenas ancestral com a demagogia corrupta e o desmando oficial numa certa cidade/estado chamada de “maravilhosa”.
A progressão narrativa e o ritmo do espetáculo se apoiam integralmente
na extrema facilidade com que Tonico Pereira alterna a sua faceta histriônica/dramática e a sua liberdade
instintiva no domínio de seus recursos vocais/gestuais.
Num teatro de improviso, que funciona pela espontaneidade com
que são utilizados os parcos recursos cenográficos(uma cadeira antiga e um
suporte/coluna para uma grande taça de estanho), o desenho de luzes vazadas e
as raras incidências musicais (ambas por Frederico Eça).
Com sutil toque onírico/realista na extensão deste suporte
cênico aos assentos circulares da plateia sugestionando uma sala de aula ou de
tribunal, com o presencial colorido dos espectadores contrastando com a rusticidade e o tom pastel do figurino (em dupla realização de Palloma Morimoto).
Se a alguns pode incomodar o não aprofundamento mais incisivo
da tematização filosófica, ampliado pela curtíssima duração do espetáculo, ou mesmo
pela ausência de qualquer apelo
plástico/visual, há, no entanto, um fator simbiótico que favorece e sintoniza a
representação.
Na praticidade simples desta conversa dramatúrgica, entre o
confessional e o filosófico, e no
cruzamento de dois personagens, entre a vida e o palco, entre o homem, o ator e
o filósofo, cada espectador encontra, afinal, sua resposta – pois é “sabendo que nada sabe” que acaba aprendendo a “pensar por si mesmo”.
Wagner Corrêa de Araújo
O JULGAMENTO DE SÓCRATES está em cartaz no Teatro Cândido Mendes, sexta a domingo, 20h. 45 minutos. Até 17 de dezembro.
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