O HOMOSSEXUAL OU A DIFICULDADE DE SE EXPRESSAR: CENA TRAVESTIDA

FOTOS  BY CAÍQUE CUNHA                       
Ocupação Copi é um projeto que reuniu duas peças do dramaturgo, cartunista, performer e escritor franco-argentino Raul Botana, auto denominado ator/travesti e popularmente conhecido como Copi, nos anos 70/80.

Sua obra multifacetada , é provocativa, inquietante e transgressora, numa curta trajetória existencial (1939/1987) ,interrompida bruscamente pela Aids.

Seu teatro , ácido e doloroso, tem precedentes especialmente na literatura sem disfarces de Jean Genet e no absurdo teatral de Becket e Ionesco, com uma dose ampliada de anarquismo moral e irreverencia, na abordagem das preferências da sensualidade.

A Geladeira , com seu humor irônico latente, transita entre os limite do real e do imaginário, através de um personagem ambíguo que assume vários tipos de seu convívio social/ familiar e torna anímicos os diversos objetos que o cercam, no dia em que completa 50 anos..

O indesejado presente ( geladeira) de aniversario faz do assexuado protagonista aqui, na concepção diferenciada de Thomas Quillardet , um ser menos identificável ainda, pela recusa das marcações cênicas sugestionadas por Copi ( caracterizações personalistas via figurinos).

O que criava um inusitado e risível jogo lúdico, entre a verbalização e a pantomima, assumido, com raro vigor, na insinuante interpretação de Márcio Vito, plena de solitária angústia, no seu critico clima de bizarrice e irrealidade.

Já em  “O Homossexual ou a Dificuldade de Se Expressar”, que volta agora à cena , Copi vai mais longe no mimetismo estético do componente marginalizado da transexualidade. São, agora, cinco atores conduzindo uma cena travestida , no ferino confronto entre a masculinidade agressiva e a feminilidade afetada.

A senhora Simpson(Renato Carrera) e sua filha Irina(Mauricio Lima ),incitadas por Madame Garbo( Leonardo Corajo) planejam fugir da repressão comportamental da Sibéria soviética para a China comunista, auxiliadas pelo General Pouchkine(Fabiano de Freitas) e pelo oficial Garbenko(Higor Campagnaro).

Este sarcástico e dissipador código anti-ortodoxo da sexualidade não deixa de ser um referencial da ira homofóbica, tanto do stalinismo –“um ignóbil fruto da cultura burguesa/capitalista” ,como do mccarthismo – “ a homossexualidade é inimiga do Estado e ameaça a humanidade”.

A perceptível entrega total do elenco, com um especial élan virtuosístico de Renato Carrera, alcança, no preciosismo detalhista do comando de Fabiano de Freitas, a sensibilização ideal no domínio de um tema de perigosa e caricatural discriminação.

Se, em tempos de quebra de estereótipos na conduta social, uma mera predileção erótica e afetiva é ainda capaz de provocar sectarismos degradantes e violentos fundamentalismos religiosos, vale lembrar este olhar armado e precursor de Copi.

E compartilhar de seu universo de desmistificações, onde não importa a possessividade de um sexo, a submissão do outro ou a rebeldia das identidades sexuais, quando a prevalência for sempre a do amor em todas as suas dimensões.




O HOMOSSEXUAL OU A  DIFICULDADE DE SE EXPRESSAR  está em cartaz no Galpão Gamboa, sábado e segunda, 21h ; domingo, 20h. 70 minutos.  De 7 até o dia 23 de novembro.

NOVA TEMPORADA : ESPAÇO SÉRGIO PORTO, SEXTA A SEGUNDA, 20H. DE 23 DE ABRIL A 9 DE MAIO.

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