O ANO NOVO CHINÊS / BALÉ NACIONAL DA CHINA : O QUEBRA NOZES TRANSMUTADO SOB UMA DIFERENCIAL RELEITURA ENTRE A TRADIÇÃO E A INOVAÇÃO




GuoNian / Balé Nacional da China. Zhao Ming/Concepção Coreográfica Direcional. Outubro/2025. Fotos/Divulgação/Midiorama.



Desde sua estreia em São Petersburgo, dezembro de 1892, o balé Quebra-Nozes de Tchaikovsky, cujo libreto partiu de um conto gótico de E.T.Hoffman, tornou-se um símbolo coreográfico para representar a comemoração da noite de Natal, pelo dúplice carisma de sua composição musical, como pelo encantamento de seu enredo, sob um sotaque de magia absoluta.

Ainda que algumas versões contemporâneas tenham dado uma outra conotação à coreografia original de Marius Petipa, como a de Mark Morris transformando os presentes natalinos em brinquedos eletrônicos ora ecoando uma crescente preferencia infantil pelos efeitos digitais, ou indo mais longe, na ousadia de acordes jazzísticos e ritmos Hip-Hop.

Enquanto a releitura da obra original pelo Balé Nacional da China, mantendo quase na íntegra a partitura de Tchaikovsky, insere sutis acréscimos de sonoridades tradicionais daquele país, o que se estende às alterações quanto aos seus personagens característicos para, assim,  exemplificar a celebração oriental do Ano Novo Chinês,  sob signo lunar, e que, em 2025,  aconteceu na data 29 de janeiro.

A coreografia chinesa de autoria de Zhao Ming é de 2010 e acabou se tornando um dos maiores êxitos internacionais do Balé Nacional da China, ao lado  de “Lanternas Vermelhas” de Zhang Yimou, coreógrafo e cineasta, aplaudido também pela sua adaptação cinematográfica, tanto o balé apresentado no Brasil em 1995, como o filme em 1991.  


GuoNian / Balé Nacional da China. Zhao Ming/Concepção Coreográfica Direcional. Outubro/2025. Fotos/Divulgação/Midiorama.



A narrativa de O Ano Novo Chinês (GuoNian) começa por uma feira com preparativos para a sua passagem, mostrando transeuntes com indumentárias de malhas coloridas, portando máscaras de animais que simbolizam o zodíaco chinês. Já demonstrando uma conexão de movimentos entre as bases clássicas e gestualidades, com assumida personifição de danças típicas.

Nas ambientações e no design cenográfico (Gong Xun) prevalece a plasticidade evocativa de uma milenar tradição popular, com nuances pictóricas imprimindo tonalidades ora sóbrias, ora artesanais, incluída a presença de elementos materiais que preenchem a caixa cênica, sob o brilho dos efeitos luminares (Han Jiang) .

Já na sala residencial acontecem os preparativos para a ceia de Ano Novo e é quando se revela o presente contendo um Quebra-Nozes, enquanto os convivas familiares são retratados numa espécie de fotos instantâneas ao vivo, projetadas num painel. O boneco dado à menina Yuanyuan (no lugar que era de Clara) é o único elo natalino que referencia a obra original. A partir daí, com o adormecer da protagonista abraçada ao brinquedo, sucedem-se as cenas imagéticas, recheadas de sonhos e fantasia.

Onde a habitual batalha dos ratos é substituída por figurações animais do fabulário mítico chinês, sob vigoroso gestual acrobático, sendo sequenciada por outras inovações como o episódio da Rainha Açucarada como uma Rainha Garça, acompanhada de um grupo de bailarinas/garças com  tutus brancos trazendo um penacho ou aparentando peças de porcelana, todas em posição de pontas com perfeccionismo acadêmico.

Aliás, é sob uma rigorosa técnica clássica que se destaca o casal protagonista, carismático no celebrado Pas-de-deux amoroso, com a mesma estética expressiva nestes personagens do balé, equiparando-os aos grandes intérpretes do mundo ocidental.   

Destaque como linguagem própria são as danças características do Ato II, pela perspectiva da tradição chinesa, aqui, figuradas como Danças dos Leques, das Sedas, das Pipas, do Lingote de Ouro, esta última surpreendendo o público com o surgimento de pequeninas bailarinas, sempre convocadas nas Academias  de Dança dos países em que o Balé Nacional da China se apresenta.

Tudo, enfim, concorrendo para um espetáculo que além de sua sensorial empatia, prova que o grande segredo da arte coreográfica é, não ter fronteiras ideológicas ao proporcionar, pela força irradiada em cada gesto do bailarino, um instante mágico da emoção coletiva...   


                                                Wagner Corrêa de Araújo



GuoNian / Balé Nacional da China, depois de Brasília e do Rio de Janeiro, de 9 a 12/10, a turnê pela Dellarte continua em SP, no Teatro Bradesco, de 16 a 19 de outubro.

Nenhum comentário:

Recente

O ANO NOVO CHINÊS / BALÉ NACIONAL DA CHINA : O QUEBRA NOZES TRANSMUTADO SOB UMA DIFERENCIAL RELEITURA ENTRE A TRADIÇÃO E A INOVAÇÃO

GuoNian / Balé Nacional da China. Zhao Ming/Concepção Coreográfica Direcional. Outubro/2025. Fotos/Divulgação/Midiorama. Desde sua estreia...