DONATELLO : AFETIVO RESGATE MEMORIAL, EM COMPASSO DRAMATÚRGICO-MUSICAL, DAS ALEGRIAS E DESALENTOS DA CONDIÇÃO HUMANA

 

Donatello. Vitor Rocha/Dramaturgia e Performance. Victória Ariante/Direção Concepcional. Outubro/2025. Julio Aracak/Fotos.


Através do recente espetáculo Donatello, sob um ideário dramatúrgico-musical, o multitalento dos jovens Vitor Rocha, ator/dramaturgo, e Elton Towersey, compositor, ao lado de  Victória Ariante, diretora, e Lucas Drummond, produtor, se reencontram para repetir, com a mesma paixão cênica e  acerto revelador o que, há dois anos, representou a peça Se Esta Lua Fosse Minha.

Em outra criação capaz de fascinar um público de todas as idades por sua proposta original em que, a partir do gosto simultâneo de um avô (Donatello) e seu neto (Amendoim) por sorvetes, a partir de um referencial comparativo aos mais diversos sabores, são mostrados os momentos de grande alegria, interrompidos pelo desalento súbito quando Donatello é acometido pelo mal de Alzheimer. 

A narrativa dramatúrgica, numa dúplice criação do ator Vitor Rocha, assume o dimensionamento de um monólogo autoral-performático no qual ele se empenha na representação do seu personagem sob um sotaque confessional, ao mesmo tempo em que atua como intérprete das canções, com letras suas e composição musical de Elton Towersey, executadas ao teclado por Felipe Sushi.


Donatello. Vitor Rocha/Dramaturgia e Performance. Victória Ariante/Direção Concepcional. Outubro/2025. Julio Aracak/Fotos.


Numa cenografia (Batata Rodriguez) despojada em que o espaço é preenchido apenas pela mutabilidade funcional de uma mesa e cadeira, além de pequenos materiais e uma bicicleta, aos quais o ator recorre para evocar, em citações de pura delicadeza poética, a presença, em contraponto metafórico, do avô Donatello, incluindo-se, aqui o teclado (Felipe Sushi) que acompanha toda a narrativa oral e as canções, servindo o pianista, vez por outra, como contrarregra.

O personagem protagonista é indicado, aqui,  pelo apelido de Amendoim, dado pelo avô carinhosamente  mas por um triste acaso,  já dentro da confusão mental criada pelo Alzheimer e a consequente dificuldade de reconhecer seu entorno familiar, distinguir a pronúncia e o sentido das palavras que começa a embaralhar.

Não conseguindo esquecer apenas este sabor amendoim entre os que, de um para o outro, avô e neto, compartilhavam nas jornadas cotidianas em uma sorveteria. Este último, de um vidro pleno de lírica magia, vai retirando os palitos de sorvete, enquanto estabelece significados simbólicos que ele compartilha com alguns espectadores tornados personagens, sendo escolhidos no prólogo.

Amendoim trajando uma indumentária cotidiana que o distingue, em sotaque atemporal, com as transições da infância à idade adulta, no interregno de uma dramática situação ascendente até a passagem terminal de seu favorito ente querido o avô - Donatello – considerado por ele, no enfrentamento de seu cruel diagnóstico, como um verdadeiro herói.

O que é potencializado por uma ambiental iluminação (Wagner Pinto) vazada, em que todas as idas e vindas na passagem dos anos, do passado ao presente, e de volta ao futuro,  são sinalizadas sempre pela lembrança imperecível do avô.

Acrescida, ainda, da citação de filmes que, de uma maneira ou outra, se tornaram icônicos em sua vida, à causa de provocar viagens pelos espaços siderais da mente, tornando-se, também, um elo direcionador de sua própria condição humana.

Destacando-se Vitor Rocha com sua coesão interpretativa autor>ator  enquanto personagem, priorizando um apelo sensorial, no contraste afetivo de suas nuances do riso juvenil ao drama, com inspirada musicalidade e oportuna reflexão, a partir do acertado domínio direcional  de sua gramática cênica  por Victória Ariante.

Despretensioso por sua singularidade Donatello, este pequeno musical, acaba conquistando corações e mentes pela envolvência de sua tocante dramaturgia (Vitor Rocha), sabendo imprimir verdade e sinceridade na abordagem do legado das memórias familiares. E que podem, sobretudo, se identificar, em processo carismático, com as vivências, alegres e tristes, na trajetória de cada um de nós...

 

                                             Wagner Corrêa de Araújo

 

Donatello está em cartaz no Teatro Gláucio Gil/Copacabana, quintas e sextas às 20h; até o dia 31/10, com possibilidades de uma segunda temporada em outro espaço teatral.

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