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Olga/Cia Ensaio Aberto. Luiz Fernando Lobo/Direção Concepcional. Tuca Moraes/Protagonista. Setembro/2025. Thiago Gouvêa/Fotos. |
“O teatro documentário
afirma que a realidade, seja qual for o absurdo com o qual ela se mascara, pode
ser explicada em seus mínimos detalhes”. Estas enunciadoras palavras do dramaturgo Peter Weiss
podem servir como um reflexo especular para conceitualizar o ideário da
proposta, pela Companhia Ensaio Aberto, para
o espetáculo Olga.
Viabilizado mais uma vez, através de uma diferencial
dramaturgia/direcional, imprimida pelo empenho de Luiz Fernando Lobo, frente a
uma acurada equipe técnica e artística tendo como protagonista titular Tuca
Moraes, completando um afinado elenco de 14 atores.
Dando, assim, continuidade a uma fundamental e necessária
conscientização política em tempos de radical expansão, aqui e além fronteiras, de uma extrema direita sinalizada pelo
principio fascista de falsificação da verdade. E na qual estivemos, em época recente, sob o
risco iminente de submergirmos sem quaisquer possibilidades de salvação.
Onde um espetáculo que se insere dentro da melhor tradição do teatro político-documentário de Erwin Piscator a Peter Weiss no uso de farta documentação escrita, fotográfica e fílmica, oficial ou não, procura elucidar a verdade dos fatos, muitas vezes distorcida, especialmente nos tempos atuais submissos a plataformas digitais contaminadas pelas chamadas fake news.
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Olga/Cia Ensaio Aberto. Luiz Fernando Lobo/Direção Concepcional. Setembro/2025. Thiago Gouvêa/Fotos. |
Com uma temática no entorno de toda trajetória existencial e
ideológica da judia alemã Olga Benário, desde sua inicialização entusiasta pelo
ativismo comunista, da sua adolescência em Munique à sua cruel deportação grávida
de sete meses, num covarde e repulsivo gesto de aproximação nazi-fascista de Getúlio
Vargas junto a Gestapo.
A dramaturgia inspirada em sua completude num dimensionamento documentário,
não se limitando ao relacionamento amoroso surgido nos contatos de dois revolucionários
marxistas e militantes comunistas, Olga Benário e Luiz Carlos Prestes, ambos
asilados em Moscou, antes da vinda para o Brasil, em 1934.
Esta, como uma agente dos serviços secretos soviéticos, em sua oficial missão de acompanhar os direcionamentos
ideológicos e políticos de Luiz Carlos Prestes, na viagem de volta ao seu País
natal, com a finalidade de promover uma intentona comunista no Brasil. E que
acaba fracassando, em 1935, sendo ambos detidos em território brasileiro.
A ocupação da caixa cênica (J. C.Serroni) dividida por um telão transparente estabelece uma envolvente conexão palco-plateia em dois planos,
com os atores ora sendo vistos por trás
das projeções, em grande dimensão, de farto material documentário à base
de cenas fílmicas, reproduções jornalísticas de fotos e textos, além de esclarecedores depoimentos de personalidades brasileiras de ontem de hoje. Tudo se
completando pelo sugestionamento presencial dos espectadores, como testemunhas de
um julgamento, para uma espécie de reavaliação do legado existencial/político de
Olga Benário.
A trilha musical (Felipe Radicetti) propiciando um clima extasiante nas projeções em preto e branco, provocando ecos sensoriais capazes de lembrar,
subliminarmente, os filmes épicos soviéticos, especialmente de Eisenstein. Os figurinos (Beth
Filipecki/R. Machado) com um sotaque atemporal sob prevalência de tons ocres, menos acentuado na indumentária de Olga, criando uma uniformidade plástica sob
expansivos efeitos luminares (Cesar de Ramires).
Tuca Moraes desde o prólogo, em imersiva identificação física
no papel protagonista, com irradiante convicção, transmuta os contornos dramáticos e o desalento de seu
personagem, culminando na vocalização de uma inédita e emotiva carta de
despedida.
Ainda que, em sua quase integralidade, a narrativa dramatúrgica
apresente uma conexão maior com um roteiro fílmico-documental, Olga
nunca deixa de ser, pelo cruzamento de duas linguagens artísticas um espetáculo revelador, capaz de atrair a
cumplicidade reflexiva da plateia.
Não só como um investimento estético-ideológico ao trazer novas
perspectivas em sua transposição direcional (Luiz Fernando Lobo), mas ao transcender
seu contraponto crítico para tempos políticos tão controversos, num oportuno e
questionador recado para a contemporaneidade...
Wagner Corrêa de Araújo
Olga/Cia Ensaio Aberto está em cartaz no Teatro Vianinha/Armazém
da Utopia, de sexta a segunda, às 20h; até o dia 06/outubro.
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