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| Frida/Ballet do Theatro Municipal/RJ. Reginaldo Oliveira/Concepção Coreográfica. Outubro/2025. Daniel Ebendinger/Fotos. |
"Não pinto sonhos, pinto a minha realidade” - assim se autodefinia a pintora
mexicana Frida Kahlo cuja trajetória artística-existencial a tornou um símbolo
de resistência feminina, desde as dores físicas que marcaram sua corporeidade,
à sua linguagem plástica-estética plena de modernidade ao evocar, em suas
criações, a tradição popular indigenista.
Fazendo sua tragédia pessoal se estender a um casamento
desejado com o muralista Diego de Rivera, interrompido e, simultaneamente,
retomado, vendo de perto a sua infidelidade ao ter filhos com a própria irmã,
enquanto ela, impossibilitada por suas moléstias, nunca poderia concebê-los, apesar de tentar mesmo sofrendo abortos sequenciais.
Sublimando seus desalentos através de assumidas convicções
marxistas compartilhadas com seu consorte matrimonial ou, então, desafiando o
conservadorismo moral e social da época por atitudes comportamentais que a tornaram
um símbolo precursor do vir a ser feminino e do movimento emancipatório
preconizado pelo LGBTQIA+.
E é, assim, como o ideário do coreógrafo Reginaldo Oliveira,
um destes destacados talentos brasileiros no universo da dança além fronteiras, na ressignificação da vida e da obra
da artista, por um convicto reflexo especular, através da expressiva proposta estética de seu balé Frida, se identifica pela simbologia de paralelas vocações artísticas, na conexão da
dança com a pintura, talvez, quem sabe, para assumir as palavras dela - “Sou o
assunto que conheço melhor”.
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| Frida/Ballet do Theatro Municipal/RJ. Reginaldo Oliveira/Concepção Coreográfica. Márcia Jaqueline/ Protagonismo Titular. Outubro/2025. Daniel Ebendinger/Fotos. |
Depois de uma celebrada estreia, no início de 2025, pelo Salzburger Landestheater, na cidade
austríaca de Mozart, onde ele exerce o ofício de coreógrafo, como se confirmasse
pela auto definição de Frida, a sua
própria e personalista carreira, desde os anos em que, ainda na Comunidade da Maré, sonhava com a dança como razão futura de
ser e de existir.
O que demonstra Reginaldo Oliveira, com extrema fidelidade
à sua conceituada proposta original para o mundo de Frida, trazida agora diretamente de Salzburg ao Ballet do Theatro Municipal/RJ
num reencontro afetivo com esta Cia,
na qual já atuara como bailarino. Incentivado, então, por Jorge Texeira, agora por um destes felizes acasos do destino,
o atual coreógrafo e supervisor artístico junto ao Diretor Geral Hélio Bejani.
Retomando a inicial configuração cênica (Mathias Konfruss) à base de painéis que sugestionam, metaforicamente, telas de pintura, vistas pela frente e por trás, com suas armações de madeira. Enquanto as aquareladas cores e peculiares acessórios artesanais, sob referenciais ao indigenismo na arte popular mexicana, completam um diferencial figurino (Judith Adam). Onde prevalecem imagens que, de imediato, estabelecem uma poética paisagem cênica, inspirada em subliminares sotaques dos 55 auto retratos, o grande legado estético da obra pictórica de Frida Kahlo.
Num dimensionamento coreográfico imprimido por Reginaldo
Oliveira que reflete ao mesmo tempo, os dramas psicofísicos da artista, materializando
seu processo criador no uso da corporeidade dos bailarinos, com um
surpreendente resultado, tanto nos solos e duos, como nas prevalentes atuações
grupais. Sob uma acertada trilha sonora baseada em conhecidas canções mexicanas,
conferindo maior autenticidade ao enredo do balé.
Destacando-se, especialmente, no primeiro elenco, a carismática
atuação de Márcia Jaqueline no protagonismo titular como Frida, sabendo insuflar
uma cativante dimensão artística ao seu personagem, com absoluto perfeccionismo
técnico conectado a um irradiante expressionismo gestual. Repercutindo em sua
atuação o mais dramático grito de Frida
: “Meu corpo carrega em si todas as dores
do mundo”.
No alcance de sua gramática cênica transmissora de sensorial revelação,
como a de uma pintura ao vivo e a cores, sinalizada por energizadas texturas de
movimento, em performance exemplar do Ballet do Theatro Municipal. Capaz de
lembrar um oportuno conceitual de Kazuo Ohno -“Dançar é como desenhar uma linha na tela”. Ou, ainda, a própria Frida Kahlo como um corpo-linguagem em
movimento, através de cada pincelada, encontrando uma fuga do seu permanente
abismo existencial. E por emblemática justificativa de seu destino, sintetizando
o difícil suporte da condição humana: “Pés
para que os quero, se tenho asas para voar”...
Wagner Corrêa de Araújo
Frida/ BTM /RJ, em curta temporada no Municipal, estreou no
último sábado, 25 de outubro, ficando em cartaz, até a próxima sexta-feira, dia
31/10, sempre às 19h, com elencos alternativos nos principais papéis.



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