A SALA BRANCA : SOB INVENTIVA LINGUAGEM DRAMATÚRGICA, UMA VIAGEM MEMORIAL E REFLEXIVA

 

A Sala Branca. Josep Maria Miró/Dramaturgia. Gustavo Wabner/Direção. Setembro/2024. Wesley Sabino/Fotos.


Considerado como uma das mais relevantes surpresas do teatro contemporâneo de origem catalã, Josep Maria  Miró tem, agora, representada nos palcos brasileiros sua terceira obra. Depois do êxito de O Princípio de Arquimedes, em 2017, e de Nerium Park, no ano seguinte, é a hora e vez de A Sala Branca.

Ressaltando que as três tiveram uma acurada versão por Daniel Dias da Silva que, assim, vem se tornando no Brasil, o grande especialista na criação dramatúrgica de Josep Maria Miró não só como tradutor, com edições em livro de suas peças.

Mas, também, ora dirigindo (O Princípio de Arquimedes), ora atuando, lembrando que em Nerium Park, outra de suas traduções, Rodrigo Portella foi o diretor. Enquanto, na atual montagem coube este oficio a Gustavo Wabner e Daniel Dias da Silva se torna, então, um dos quatro personagens do autor catalão.

Destacando-se como um dos integrantes de um qualitativo e carismático elenco (Angela Rebello, Daniel Dias da Silva, Isabel Cavalcanti, Sávio Moll) onde cada um dos atores se sobressai por uma singularidade única, em performance irradiante e coesiva, com uma apreensão plena do apuro técnico e da carga dramático-emocional.

No entorno de um papel proeminente na condução da trama, dimensionada pelo inusitado reencontro de três ex-alunos dos tempos escolares da infância com a sua antiga professora - a Senhorita Mercedes - através da idade mais amadurecida de todos eles. Transcorridas, ali, cerca de mais de três décadas.  


A Sala Branca. Josep Maria Miró/Dramaturgia. Daniel Dias da Silva/Tradutor. Setembro/2024. Wesley Sabino/Fotos.


A começar por Carlos (Sávio Moll) transmutado num inflexível segurança de super-mercado, inspecionando a bolsa da velha e irredutível senhora Mercedes (Angela Rebello) por suspeita de roubo, num clima meio de thriller que intriga palco/plateia.

Sequenciado pelo súbito surgimento da irônica executiva grávida Laia (Isabel Cavalcanti) questionando a pulsão persecutória, à distância, de sua antiga mestra, ao mesmo tempo que se mostra incomodada com o reaparecimento presencial do bem sucedido arquiteto Manuel (Daniel Dias da Silva), casado e ocultando os remotos temores de uma sexualidade reprimida.

E é esta instigante retomada de uma época decisiva na vida não só destes personagens mas de todos nós, podendo ser referenciada pelo ideário sartreano “a infância decide”, que faz desta narrativa teatral mais um dos experimentos inovadores da linguagem dramatúrgica de Josep Maria Miró.

Marcada por uma ambiência simplificada com ocupação da caixa cênica (Sergio Marimba) apenas por uma mesa rodeada de cadeiras, em evocação subliminar e metafórico conceitual do despojamento habitual de uma destas simples salas de aulas em períodos escolares primários.

E que completa sua plasticidade “branca” nas tonalidades discricionárias e cotidianas de seus figurinos (Victor Guedes), ampliada na prevalência de claridades vazadas em seus efeitos luminares (Vilmar Olos).  

O convicto domínio direcional de Gustavo Wabner sabendo bem como imprimir ao inventário dramático o confronto, sugestionado por sua fragmentária textualidade confessional, entre o apelo nostálgico dos transes alegres e as expectativas frustradas.

O que ele também estende à sua fluente seleção musical indo de sonoridades mais expansivas, conectando  a brasilidade de Sinal Fechado à empatia latina de Gracias a la Vida, intermediada pelos reiterativos acordes minimalistas de Philip Glass.

Diante de uma obra dramatúrgica que se reafirma tanto na consistência de seu caráter formal como no seu intencionalismo crítico e reflexivo, A Sala Branca repercurte, especularmente, nesta sua encenação, dois princípios do enunciado inventivo de Josep Maria Miró.

De um lado, a solidez performática dos intérpretes : “Eu escrevo para atores. Eles são os recipientes para a criação da experiência teatral”. De outro, o cúmplice alcance dos espectadores : “Estou interessado em um teatro que faz perguntas ao público, mas não oferece respostas. O teatro é um espaço e lugar para reflexão”...  

 

                                         Wagner Corrêa de Araújo

 

A Sala Branca está em cartaz no Espaço Multiuso/Sesc/Copacabana, de quinta a domingo, às 19h. Até 20 de outubro.

Nenhum comentário:

Recente

A ÚLTIMA SESSÃO DE FREUD : INSTIGANTE DIALETAÇÃO DRAMATÚRGIA ENTRE O RACIONALISMO CIENTÍFICO E O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

A Última Sessão de Freud. Mark St. Germain/Dramaturgia. Elias Andreato/Direção Concepcional. Outubro/2024. João Caldas/Fotos. Inspirada no...