Três Mulheres Altas. De E. Albee. Direção /Fernando Philbert. Setembro/2022. Fotos/Pino Gomes. |
“Quando ela se
aproximou dos noventa anos, começou a falhar rapidamente tanto física quanto
mentalmente; fui então tocado pela sobrevivente, a figura agarrada aos
destroços, recusando-se a afundar”. (Edward Albee).
Nestas palavras, enunciadoras de uma controvertida relação
familiar que o autor americano teve com sua mãe adotiva, está a chave
conceitual que abre as portas para o
entendimento do misterioso entorno narrativo de uma de suas últimas e mais emblemáticas obras
dramatúrgicas – Três Mulheres Altas.
Inspirada nesta arredia figura materna que, em seu
conservadorismo preconceituoso de uma classe americana endinheirada, desprezava
aquele filho “comprado”, inclusive por
sua condição de se revelar gay. O que o levou a se afastar desta convivência em
longo exílio, interrompido apenas por uma visita sua, no instinto de piedade tal um filho pródigo, à beira de seu leito terminal.
E é no encontro destas “Três Mulheres Altas”, nominadas por
Albee apenas pelas letras A, B e C, de acordo com suas faixas decrescentes de
idade, aqui respectivamente interpretadas por Suely Franco, Deborah Evelyn e
Nathalia Dill, que acontece esta acertada escolha para preencher o universo cênico
da presente temporada carioca.
Ocorrendo este ajuste através de uma potencializada trama dramatúrgica, conduzida em clima de permanente maestria pela direção de Fernando Philbert, sob a acurada tradução de um contumaz decifrador dos segredos cênicos, o também autor teatral Gustavo Pinheiro.
Três Mulheres Altas. Com as atrizes Nathalia Dill, Suely Franco e Deborah Evelyn. |
Para obra de incisiva caracterização do mais simbólico
representante americano do teatro do absurdo. Embora esta opção dramatúrgica seja, por Albee particularmente definida, através
de um naturalismo cômico com lastro poético, sustentado em formas dramáticas
que o aproximam daquela estética em dimensionamentos bastante diferenciais.
Indo de uma identificação maior com o humor de irônica mordacidade
dos personagens de Ionesco do que
apelando à absoluta desconstrução da realidade pelo ideário de Beckett. Temperada, ainda, com um
sotaque de nostalgia e compaixão entre Tchekhov
e O’Neill. E algumas vezes, como nesta
peça, marcada por uma dialetação pirandelliana
entre o autor, os personagens e os atores.
Em requintado retrato cênico de um clima domiciliar burguês, encimado
por móveis de época e decorativas cortinas frontais, outra vez por obra e graça
do habitual aporte inventivo de Natalia Lana e dos efeitos luminares ambientalistas
de Vilmar Olos, sob discricionárias e instantâneas intervenções da trilha
sonora (Maíra Freitas).
Completado na elegante tessitura, com prevalência detalhista
no equilíbrio de tonalidades preto e branco, dos figurinos e do visagismo
sóbrio de Tiago Ribeiro, sugestionando a reveladora identidade indumentária de três atrizes. Conectada à surpresa, na
revirada no enredo da segunda parte, com a convergência metafórica do tríptico atoral transmutado em uma voz única.
No desenrolar desta fabulação despudorada, no seu enfoque
ferino da decrepitude antecipadora da fase terminal da nonagenária senhora A, Suely Franco revela carismática
maturidade no domínio de seu personagem. Dividido entre considerações, ora de indignados
ora de patéticos desabafos diante de sua trajetória de vida.
Enquanto Deborah Evelyn, como B, a acompanhante/enfermeira, dá uma sensorial lição performática, assumindo
uma mulher de meia idade, compassiva mas ciente do futuro similar que, enfim, pode alcançá-la. Cabendo
à terceira atriz, Nathalia Dill no papel de C, a responsável pelos assuntos jurídicos de A,
com uma irreprimível jovialidade interpretativa, expressar suas expectativas
geracionais no escape daquela situação de presencial pesadelo.
Onde a convicta concepção direcional (Fernando Philbert)
estabelece um bravo e vigoroso inventário dramático, que se irradia na cumplicidade especular palco/plateia,
sob a identificação existencialista com o que há de vir ou do que se esperava acontecer, no percurso da difícil sobrevivência solitária de cada um de nós...
Wagner Corrêa de Araújo
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