Marilyn Por Trás do Espelho. Com Anna Sant'Anna. Setembro/2022. Fotos/Andrea Rocha. |
“Marilyn veio das
décadas de 1940 e 1950. Foi a prova de que na psique americana sexualidade e
seriedade não podiam coexistir, que eram até hostis, opostos ausentes”. (Arthur
Miller).
Ao mesmo tempo em que reconhecia a pressão que abafava o
sonho de Marilyn Monroe de não ser tratada apenas como um símbolo sexual, o dramaturgo Arthur Miller, usava-a quase como uma
boneca sem cérebro e, já na condição de seu ex-marido, não quis comparecer ao
seu funeral.
Enquanto o escritor Truman
Capote no visionário temor, como amigo dedicado da atriz, de que ela
morresse jovem, afirmara anos antes de seu trágico fim: “Espero e rezo para que ela pelo menos viva o suficiente para que esse este
estranho talento, preso nela como um gênio numa garrafa, possa finalmente sair”.
Agora, na passagem exata dos sessenta anos de sua morte, os
palcos cariocas fazem o seu tributo, antecipado em épocas recentes por outras
montagens, sob a implícita vontade de desvendar o mistério no entorno de um mito. Celebrado na clareza do sucesso mas
oculto, por detrás das sombras da solidão e da frustração pessoal, sem alcançar seu intimista ideário como atriz e como mulher.
Na concretização de um projeto coletivo - Marilyn Por Trás do Espelho - que uniu a
envolvência da textualidade dramatúrgica de Daniel Dias da Silva à transmutação
em espetáculo, pensado desde 2010, pelo mergulho documental da atriz Anna Sant’Anna
na conflituada trajetória artística e existencial de Marilyn Monroe.
Marilyn Por Trás do Espelho. De Daniel Dias da Silva. Direção/Ana Isabel Augusto. Fotos/Andrea Rocha. |
E que se torna um fator cênico através do empenho por uma particularizada concepção da diretora
portuguesa Ana Isabel Augusto, com supervisão de Roberto Bomtempo. Viabilizado para um espaço cênico minimalista, em mais um dos acertos de Natalia Lana, ocupado
apenas por tapeçaria, uma pequena mesa lateral e centralizado por um sofá com um
subliminar referencial de época e um sugestionamento clean.
Onde cortinas e um espelho propiciam saídas originais para a intensa
troca de figurinos, além de uma sutil interatividade atriz/personagem/espectador,
através de simultâneos reflexos especulares. Ampliados por uma ambiência de
sensitivas tonalidades luminares (Renato Machado).
Com um propósito mais incisivo de sondar as duas faces da
atriz diante de um espelho que mostrasse sem limites, ao mesmo tempo, o contraste
entre as luzes do lado frontal e a escuridão traseira de uma vida marcada pelos
contrastes da alegria e da desilusão, dos alcances instantâneos e das quedas
abruptas.
Dimensionado por uma performance que une a caracterização da
intérprete, através de um preciso visagismo (Camila e Fernanda Pio) sob o
design de Carol Fanjur e de rica diversidade indumentária (Joana Seibel), capaz
de remeter à lembrança do vasto legado iconográfico e cinético de Marilyn Monroe.
Extensivo às sensoriais incidências gestuais que a direção de
movimento (Sueli Guerra), impulsionada pelos acordes incidentais da trilha de
Tibor Fittel, imprime à psicofisicalidade, na convicta entrega de Anna Sant’Anna à sua personificação
titular em tempo de solilóquio.
Complementada pela surpresa da revelação no epílogo, em
afirmativo tom confessional, da identificação que uniu visceralmente a atriz ao
processo estético/conceitual de seu personagem. Encontrado e assumido desde seu
lado sedutor e ingênuo mas, num mesmo compasso, conectado às instabilidades
emocionais, da rejeição e da vulnerabilidade à insegurança.
À causa de um star
system que só lhe dava um lugar ao sol por ela incitar, com seu sex appeal, as fantasias secretas de Hollywood. E que a representação,
habilmente delineada na trama dramatúrgica de Daniel Dias da Silva, bem soube como
transcender o mito num tocante e patético retrato da condição feminina.
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