Renato Vieira Cia de Dança/Suíte Rock-Para Loucos e Amantes. Abril 2022. Fotos/Guilherme Licurgo/Renato Mangolin. |
“Is this the real life?/ Is this just fantasy?”- Bohemian Rhapsody/Queen. Quantas vezes estas palavras terão ecoado como um patético desafio para o coreógrafo Renato Vieira, isolado na similar reclusão a nós todos destinada neste tão dolorido biênio pandêmico.
Mas a pulsão criadora precisava continuar, e no entremeio de tantas
adversidades, acrescidas às sanitárias a desilusão de ver a cultura de um país
ser envilecida pela insensatez de seus mandatários, a Renato Vieira Cia de Dança finalmente volta, presencialmente, aos
palcos com uma vigorosa e provocadora Suíte
Rock-Para Loucos e Amantes.
Um manifesto estético e reflexivo que se apropria de
clássicos do rock anos 70 e 80, sob o sotaque introspectivo dos acordes
camerísticos de música de concerto, através de um quarteto de cordas fugindo à
sua formação tradicional. Desta vez, por intermédio de um violino, uma viola e dois violoncelos, um deles com o recurso de pedais para sugestionar os riffs de uma guitarra elétrica, com certeira
direção musical de Maria Clara Barbosa.
Reunindo quatro potencializados instrumentistas jovens (Sarah
Cesário, Rafael Kalil, Denis Rangel e Karen Barbosa) entregues à mesma pulsão
energizada dos cinco experientes bailarinos (Bruno Cezario, Soraya Bastos,
Felipe Padilha, Hugo Lopes, Rafael Gomes), todos eles “amantes e loucos” em
brava e interativa performance de resistência, sem nunca se renderem, pois o
show tem que continuar.
Em afetivo e político referencial a tempos emblemáticos que marcaram uma geração com mais de meio século de trajetória, direcionada ao paraíso (Stairway to Heaven/Led Zeppelin) sob o mandamento libertário de uma religião artístico-existencial do não desistir nunca.
Suíte Rock-Para Loucos e Amantes. Renato Vieira Cia de Dança. Abril 2022. Foto/Guilherme Licurgo. |
Onde os sensoriais figurinos (em dúplice oficio criativo de
Bruno Cezario) com malhas brancas e torsos nus na
ala masculina e uma esvoaçante veste em tons escuros para destacar a única representante
do sexo oposto, remetem à sutil e metafórica plasticidade do uso de plumas no
ombro, num reflexo especular do voo gestual no verso roqueiro “Minha alma é pintada como as asas das
borboletas”..."Eu posso voar-meus amigos"(The Show Must Go On/ Queen).
A ludicidade desta busca perfeccionista de uma linguagem
corporal híbrida, sustentando-se entre o aproveitamento da base clássica,
aliada a uma incisiva dramaturgia da fisicalidade, é antenada na
contemporaneidade, um signo permanente das incursões da Renato
Vieira Cia de Dança.
Entre a palavra e o gesto conectando uma relação de (meta)presença quase cósmica, ao estabelecer travessias do corpo e da alma do bailarino em cena com o corpo de cada espectador, onde “Ele dá as cartas com reflexão/E aqueles com quem ele joga/nunca suspeitam”(Shape of My Heart/Sting).
Transmutada de outros espetáculos de sua lavra, aqui
analisados em postagens anteriores, na linhagem significante de suas temáticas
gestualizadas, em engajado compromisso com as grandes causas, das sonoridades jazzísticas em Blue à poética de protesto dos marginalizados em Malditos e, agora, o rock clássico dimensionado
por eruditas sonoridades instrumentais.
E nesta percepção da força imersiva de uma leitura coreográfica inserida pela temporalidade de duas gerações, na
experimentação estético/sensitiva da Suite Rock-Para Loucos e Amantes, não
há nenhum de nós que evite o escorrer de uma lágrima emotiva por tudo que isto representou de vanguarda e memória comportamental em anos de juventude.
No legado deste tão necessário espetáculo fazendo dançar a
vida em cada um de nós, quando somos questionados pela difícil convivência com o nonsense politico e social de um dia a
dia sinalizado por tantas absurdidades :
“Podem não dar
condições de trabalho mas não podem tirar minha liberdade de criar”, eis Renato
Vieira com a palavra certa para a hora incerta, mesmo tendo que recorrer talvez ao indagativo refrão do Queen/Bohemian
Rhapsody :“How long, how long must / We Sing this Song?"...
Wagner Corrêa de Araújo
Um comentário:
Às lágrimas, Wagner. Tanta beleza me levou às lágrimas. A Arte vai salvar a Vida!
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