Bordados/ Amok Teatro. Direção-AnaTeixeira e Stephane Brodt. Março 2022. Fotos/Sabrina Paz. |
A partir de um tríplice elemento conceitual, sustentado entre
a palavra textual, a ambiência familiar intimista e a expressão psicofísica do
poder feminino árabe, foi arquitetada a sensorial estética do espetáculo Bordados. Numa concepção direcional, cênico
e dramatúrgica de Ana Teixeira e Stephane Brodt para o Amok Teatro.
Em proposta que dá continuidade ao Ciclo das Mulheres com sua
abordagem da temática e da manifestação do feminino sob um contexto universal. Desta
segunda vez, através de uma livre inspiração nos introspectivos documentários da
lavra do francês Yan Arthus-Bertrand, “7 Bilhões de Outros” e
“Humano – Uma Viagem Pela Vida”, respectivamente de 2003 e 2015.
Muito vistos nestes adversos tempos de crise civilizatória, por
seu caráter reflexivo e questionador sobre o cada vez mais difícil suporte da
condição humana. Especialmente nas
plataformas digitais, no desafio da reclusão a que todos nós fomos forçados
pelo surto pandêmico, embora tenham sido lançados antes nos circuitos
cinematográficos.
Ao mostrar o tradicionalismo ritualístico de um intimista e caseiro chá entre seis mulheres árabes, em especular referencial ao seu titulo (Bordados) a peça tece, sob o simbólico compasso de filigranas douradas, o cotidiano opressivo da mulher árabe. Com extensão metafórica ao sexo oposto, pela postura machista e misógina que conduz às agressividades, à violência doméstica e à criminalidade, em contraponto à luta dos anseios femininos pelo empoderar-se através da afirmação de sua identidade.
São absolutamente tocantes os depoimentos veristas de vida na sinceridade crua de tons confessionais, através de seis atrizes desdobrando-se na convicta entrega à representação de seus personagens. A saber, Fathmeh (Carmen Frenzel), Massarat (Flávia Lopes), Hiba (Jacyam Castilho), Khadija (Sandra Alencar), Nesrine (Vanessa Dias) e Walla (Vania Santos).
Bordados/ Amok Teatro. Direção-AnaTeixeira e Stephane Brodt. Março 2022. Fotos/Sabrina Paz. |
Numa linguagem dramatúrgica marcada pelo coloquialismo em
narrativa de conversa quase leitura, dividida entre a palavra e o gesto, mas
com um empenho emotivo capaz de estabelecer pontes carismáticas e identitárias com
algumas espectadoras que não escondem seus olhares umedecidos.
Mas é no habitual cuidado artesanal do Amok com o espaço cênico
e seus componentes que a peça dá uma lição de maestria pela sua elegância e seu
bom gosto. Ana Teixeira e Stephane Brodt não pouparam esforços de sua reconhecida
autoridade cênica para deslocar a ação, com perceptível prevalência narrativa,
para uma imersão sensitiva na encenação realista de um interior residencial árabe.
Ornado por tapete persas, luminárias mouriscas, cadeiras
entalhadas e um requintado conjunto para servir chá. Extensivo à
indumentária das atrizes, portando um figurino à base do típico Hijab,
entre túnicas e véus que cobrem parte do rosto, em tons recatados na concordância
com os costumes muçulmanos.
Onde recursos de luzes (Renato Machado) mais vazadas se
equilibram nos reflexos entre sombras das luminárias pendentes e lanternas solares.
E os acordes orientalistas de uma trilha autoral em off (Rudá Brauns) tem uma originalidade à parte, entremeada por
ocasionais cânticos das atrizes sob tipicidade instrumental percussiva e coreográfica
(na dança folclórica Dabke) ao vivo,
simbolizando a alegria cerimonial do Zalghuta.
Bordados é mais um dos produtos bem acabados do Amok, capaz de tornar transcendentes
quaisquer lugares comuns que ele assume no entorno do amor e da maternidade. No ideário do seu vir a ser da condição feminina sabendo, antes de
tudo, emprestar coragem afirmativa à
mulher, seja árabe ou brasileira. Na assumida simplicidade de sua trama
trazendo, sobretudo, uma incisiva mensagem de esperança,
pela veemência de seu apelo sensorial em favor de todas as mulheres do mundo...
Wagner Corrêa de Araújo
Bordados / Amok Teatro está em cartaz no Teatro III do CCBB/RJ, de quarta a sábado, às 19h30m e, aos domingos, às 18 horas. Até o dia 24 de abril.
Um comentário:
texto sensível e delicado, no leva a uma viagem no tempo. Magnífico
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