IM BADE WANNEN. SUSANNE LINKE em uma das remontagens de sua mais celebrada criação. Fotos/Gert Weigelt. |
O primeiro contato da coreógrafa alemã Susanne Linke com o mundo
foi através do movimento. A infância marcada pela meningite tornou a dança
fundamental à sua perspectiva de redenção para a vida. Sendo considerada,
enfim, uma das mais importantes criadoras contemporâneas a partir de sua trajetória
na dança-teatro distinguido-a, em celebrado tríptico estético, ao lado de Pina Bausch e Reinhild Hoffmann.
No final dos anos oitenta, tivemos um contato pessoal com Susanne Linke, através de um lúcido
depoimento desta, onde ela falava de sua formação, influências, processos de
criação, os temas de suas coreografias e a prevalente relação da dança com o
teatro em sua obra.
Mais uma vez, incursionando pelas plataformas digitais
reencontramos a coreógrafa em plena atuação criativa, ora retomando antigos
trabalhos ora estreando outros em pleno tempo pandêmico. Diante disto achei
oportuno lembrar aqui como se deu a sua busca por um novo código para a dança.
Ela confessou então que sua primeira escola foi a moderna através de Mary Wigman:
"Há uma motivação que, a partir da emoção,
leva à ideia. Mas não é apenas esta emoção e sim a vontade de dizer alguma
coisa com uma ideia. Passar uma mensagem e experimentar, em diversos níveis o
ato de dançar. Em Wigman há este permanente questionamento. É dela também o melhor treinamento para se sentir a unidade
do corpo. Será difícil aparecer um procedimento tão eficaz. Foi com ela que
aprendi o sentido integral de cada parte do corpo na dança, como movimentar de
forma completa um dedo. Nunca vi nada igual até hoje”.
AFFEKTE. SUSANNE LINKE.2016. Heidemarie-Franz artwork. |
Sua passagem, nos anos 70, pela Folkwang, escola fundada em 1928 por Kurt Joss tendo, incrivelmente, sobrevivido à ascensão do nazismo, foi o que mais marcou sua posterior trajetória numa absoluta e particular escritura coreográfica. Seguida pelo capital encontro com Pina Bausch.
Foi lá que encontrou Mary
Wigman com quem aprendeu coisas muito importantes. Através de um método
sempre muito rigoroso, muito técnico, numa fusão da disciplina clássica com o
contemporâneo. Depois veio Pina Bausch com quem trabalhou por três
anos, no seu tanzstudio. E também Reinhild Hoffmann.
“Com a mesma idade
minha, trabalhamos juntas e aprendemos muito. Pina era mais velha, exercia uma maior
influência, preservando o trabalho individual de cada uma, com suas diferenças.
Não se fazia a dança abstrata, mas toda criação era motivada por uma ideia. Em incrível
movimentação que nos levava para a frente. Cada uma de nós em planos diferentes, fazendo disto um período único da
moderna dança alemã”.
Questionada sobre seu processo de criação, Susanne explicou como dimensiona a
temática cotidiana em diferentes formatações da gestualidade, do movimento e da
corporeidade.
“Às vezes, tem-se uma
ideia fixa do que se vai fazer, ou a sensação, a intuição do que deve ser feito.
Ou então você tem a música que vai ser usada e não sabe, no início, o que fazer
dela. Ou quais as melhores partes para expressar sua ideia. Existe também o
tema, então trabalha-se em cima dele. Dando-lhe um tratamento dramático ou transformando-o numa história”.
Fugindo daquele tradicional repertório que coloca a dança num
mundo metafórico, de sonho, de magia, de hinos à felicidade e à beleza, ela
prefere sempre os temas do dia-a-dia que, afinal, são mais sedutores e
representam um desafio maior.
Ela ressalta a geração pós anos 70, impulsionada por novos
desafios a partir do ideário de Pina Bausch que conectava as linguagens do
teatro e da dança, criando uma espécie de teatro coreográfico, em processo revolucionário
antecipado no período entre guerras, por Kurt
Joss.
Num momento em que tantos experimentos autotitulam se como
dança-teatro, sem saber exatamente de onde devem partir as conexões e até onde
chegam os limites entre uma linguagem artística e a outra, Susanne Linke reflete:
“Passei pelas duas formas
e sei dos riscos que esta tendência representa, pois há sempre a possibilidade
do teatro prevalecer. A dança tem algo muito especial que o teatro não tem. E é
muito perigoso não perceber isto em muitos grupos de dança/teatro, porque é
mais fácil enfatizar os elementos teatrais do que os coreográficos.
É preciso, sobretudo, conhecer os
limites estéticos de cada um deles. Pode ser, quem sabe, que um dia a linguagem
seja uma só. Não sei o que vai acontecer neste futuro sideral. Só sei que a dança
seguirá sempre em frente. É o seu destino natural”,
conclui Linke.
Wagner Corrêa de Araújo
Releitura de NEMMOKNA. Susanne Linke. 2020. Disponibilizada nas plataformas digitais. |
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