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CACTI. Balé da Cidade de São Paulo. Maio de 2015. Foto / Sylvia Masini. |
O Balé da Cidade de
São Paulo, ligado à Fundação Theatro Municipal de São Paulo, experimentou
um superlativo trabalho, técnico e artístico, sob a eficaz direção de Iracity
Cardoso. Com um especial destaque pela expressividade de seu repertório, atento
na linguagem coreográfica contemporânea, pela habitual exposição de obras
significativas, tanto de criadores daqui, como de além mar.
Cantata (2001) é um dos mais antigos
trabalhos da lavra do italiano Mauro
Bigonzetti e, mais uma vez, tem seu referencial na cultura mediterrânea,
com sua releitura moderna de danças e tradições do Sul italiano. Na mesma
trajetória de obras suas como Mediterranea
e Antiche Danze, mas com menor força
no desenvolvimento sequencial, às vezes, um pouco repetitivo.
Substituindo a habitual prevalência de partituras barrocas,
como no inspirado Caravaggio, Bigonzetti faz, nesta criação, um
exponencial uso do cancioneiro tradicional popular da Itália setecentista, em
trilha substancialmente vocalizada.
Cânticos de amor e de trabalho, através de serenatas napolitanas,
tarantelas e até berceuses, surgem
com leveza jovial e jocosidade, em conjuntos, trios (Renata Bardazzi/Cleber
Fantinatti/Joaquim Tomé) e solos (Irupê Sarmiento), sem nunca cair no mero
recorte de danças folclorizadas. Ao contrário, mesmo com suas nuances de
regionalismo nos figurinos (Helena de Medeiros), absorvem dali, sob luzes
ambientais (Carlo Cerri), inéditas posturas gestuais.
Mas a maior revelação ficou para a segunda parte, com Cacti do sueco Alexander Ekman, egresso do Netherlands
Dans Theater (NDT), de onde veio esta obra de 2010, com perfeita remontagem, na
cia paulista, por Nina Botkay.
No score musical, passagens de Haydn, Beethoven e Schubert, produzem um alentado mix de acordes, entre as variações,
improvisos e experimentalismos de compositores da atualidade europeia, no
comando de Jan Pieter Koch. Ficando
toda concepção cênica (incluindo figurinos) nas mãos de Ekman.
Espécie de protesto contra os preciosismos da crítica, costumeira na conceitual restrição à própria obra do coreógrafo, em Cacti há uma proposital interferência de textos verbalizados com nuances de hermético personalismo opinativo. Que vão desmontando, com o irônico olhar dos dinâmicos movimentos coreográficos, o pretensionismo academicista destes "explicadores do inexplicável".
A precisão inicial dos conjuntos masculinos, em bela
composição cênica no seu duelo/dueto com placas arquiteturais de madeira, vai
sendo intermediada pela junção do elemento feminino. Numa quase simulação da
nudez e da não identificação sexual, onde não falta a versatilidade de
humorados pas-de-deux (Marisa Bucoff/Victor
Hugo Vila Nova), ao lado da surreal surpresa do jogo lúdico com vasos de
cactos.
Em direcionamento questionativo, entre o riso e a busca do
sentido, a obra assume assim, estética e tecnicamente, tons dadaístas. E numa prevalente
coesão, para coreógrafo, bailarinos e público, induz à saudável reflexão de que
a melhor crítica é a que vem de nós mesmos.
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CACTI. Balé da Cidade de São Paulo. Maio de 2015. Foto/Sylvia Masini. |
Thiago Soares é destes raros fenômenos artísticos, resultado
inusitado da sucessão de mágicas surpresas que vem marcando sua trajetória
existencial, da singeleza das ruas do subúrbio carioca à nobreza dos palcos
europeus.
Do Municipal carioca ao Royal Ballet de Londres, tornou-se, com o aplauso do público e da crítica, um protótipo do bailarino/ator. Caráter criativo e personalista que, ainda, fez dele, aos 34 anos, um dos mais conceituados bailarinos clássicos brasileiros, além fronteiras.
Em Paixão, o
espetáculo comemorativo, no palco do Municipal carioca, de seus 15 anos de
êxito internacional, Thiago Soares apresenta um programa diversificado entre o
absoluto purismo acadêmico, o neoclássico e o contemporâneo, entre a
performance narrativa e a linguagem de raiz urbana.
No Cisne Negro, do Ato III de O Lago dos Cisnes, com remontagem e concepção de Jorge Teixeira e sua Companhia Brasileira de Ballet, tem, ainda, a participação da argentina Marianela Nuñez e também integrante do Royal, a partner ideal em grandes momentos de sua carreira londrina.
Mesmo com a envolvência de seu “physique du rôle” superlativo nas suas breves entradas na segunda
peça “Caresse du Temps”, ficou uma
sensação de frágil artesania na estreia coreográfica de Alessio Carbone.
Acentuada com certa irregularidade performática dos bailarinos da Cia Brasileira de Ballet. Enfim, com notável distância da magnifica versão de 1985, de Rodrigo Pederneiras para os Prelúdios de Chopin.
O duo Paixão (extrato de Vulcão, criação da Cia. Deborah Colker) conseguiu empolgar o
público, pelo desafio da retomada das origens culturais ("street dance") de Thiago diante do
enérgico estilismo de gesticulação, proposto e interpretado por Deborah .
Enfim, o mais original estava na estreia mundial da
coreografia de Arthur Pita “La Bala”,
pensada para Thiago Soares, em torno dos devaneios e desilusões amorosas de um
"cowboy".
Aqui, todos os elementos criativos são impulsionados, em
tempo e ritmo precisos, na apreensão arquitetural dos múltiplos aspectos
expressivos do bailarino:técnica e sensibilidade, dinamismo e sensualidade,
teatro e dança, tradição e modernidade.
Numa confluência cênica de idealizada estética que, além da mera
exteriorização do gestual do bailarino/ator, reflexiona a transfiguração
emotiva da sua verdade de artista enquanto homem e criador.
Wagner Corrêa de Araújo
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O Lago dos Cisnes - Ato III (O Cisne Negro). Thiago Soares e Marianela Nuñez. Julho de 2015. Foto/ Wiliam Aguiar. |
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