OCUPAÇÃO COPI. Junho de 2015. Foto/Caíque Cunha. |
Sua obra multifacetada é provocativa, inquietante e
transgressora, numa curta trajetória existencial (1939/1987), interrompida
bruscamente pela Aids.
Seu teatro, ácido e doloroso, tem precedentes especialmente
na literatura sem disfarces de Jean Genet
e no absurdo teatral de Beckett e Ionesco, com uma dose ampliada de
anarquismo moral e irreverência, na abordagem das preferências da sensualidade.
A Geladeira, com seu humor irônico latente,
transita entre os limite do real e do imaginário, através de um personagem
ambíguo que assume vários tipos de seu convívio social/familiar e torna
anímicos os diversos objetos que o cercam, no exato dia em que completa 50
anos.
O indesejado presente (uma geladeira) de aniversario faz do
assexuado protagonista (Márcio Vito) aqui, na concepção diferencial de Thomas
Quillardet, um ser menos identificável ainda, pela recusa das marcações cênicas
sugestionadas por Copi (caracterizações personalistas via figurinos).
O que cria um inusitado e risível jogo lúdico, entre a
verbalização e a pantomima, assumido, com raro vigor, na insinuante
interpretação de Márcio Vito, plena de solitária angústia, no seu crítico clima
de bizarrice e irrealidade.
Em O Homossexual ou a
Dificuldade de Se Expressar, Copi vai mais longe no mimetismo estético do
componente marginalizado da (trans)sexualidade. São, agora, cinco atores
conduzindo uma cena travestida, no ferino confronto entre a masculinidade agressiva
e a feminilidade afetada.
A senhora Simpson (Renato
Carrera) e sua filha Irina (Mauricio
Lima), incitadas por Madame Garbo (Leonardo
Corajo) planejam fugir da repressão comportamental da Sibéria soviética para a
China comunista, auxiliadas pelo General
Pouchkine (Fabiano de Freitas) e pelo oficial Garbenko (Higor Campagnaro).
Este sarcástico e dissipador código não ortodoxo da sexualidade não deixa de ser um referencial da ira homofóbica, tanto do stalinismo – um ignóbil fruto da cultura burguesa/capitalista, como do macarthismo – a homossexualidade é inimiga do Estado e ameaça a humanidade.
A perceptível entrega total do elenco, com um especial élan
virtuosístico de Renato Carrera, alcança, no preciosismo detalhista do comando
de Fabiano de Freitas, a sensibilização ideal no domínio de um tema de perigosa
e caricatural discriminação.
Se, em tempos de quebra de estereótipos na conduta social,
uma mera predileção erótica e afetiva é ainda capaz de provocar sectarismos
degradantes e violentos fundamentalismos religiosos, vale lembrar do olhar
armado e precursor de Copi.
E compartilhar de seu universo de desmistificações, onde não importa a possessividade de um sexo, a submissão do outro ou a rebeldia das identidades sexuais, quando a prevalência for sempre a do amor em todas as suas dimensões.
OCUPAÇÃO COPI. Junho de 2015. Foto/Caíque Cunha. |
Hoje, o teatro e o cinema argentinos estão, cada vez mais, se tornando referenciais contemporâneos do pensar cultural latino-americano.
Se, por um lado, o longo pesadelo da noite dos generais feriu, com corte seco de lamina, corações e mentes de toda uma geração, ironicamente implodiu a tendência ao melodramático que, até então, costumava-se atribuir à criação artística porteña.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o então já conhecido
dramaturgo e escritor Carlos Gorostiza
que, diante das portas fechadas à livre expressão, implode o conservadorismo
militar com o seu Teatro Aberto que teve, na peça O Acompanhamento seu marco definitivo.
Usando o inteligente recurso da falsa aparência ao retratar o
absurdo da realidade então vivenciada, abordou um tema cotidiano, sem clara
conotação política, mas que escondia o maior grito de liberdade no simples
sonho de vida de um operário.
Distanciando-se dos atrozes tempos que motivaram o clássico
texto de 1981, percebemos ainda a sua carga emocional implícita na tematização
do valor eterno da amizade, capaz só ela de fazer de uma mentira uma declaração
de amor aos que nos são mais caros.
Isolado num quase bunker (em adequada concepção cenográfica
de Carlos Augusto Campos), o metalúrgico aposentado Tuco (Wilmar Amaral) sai em busca da trajetória existencial
perdida, na vazia mecanicidade de um operador de máquinas. Cruel destino na
forçada e sofrida substituição do cantor da juventude que esperava ter sido e
que não foi.
Enquanto acredita na chegada, a qualquer momento, dos músicos
acompanhantes, ouve insistentemente discos de seu ídolo (na versão brasileira
Silvio Caldas, no lugar de Carlos Gardel)
até ser surpreendido pelo amigo Sebastian
(Roberto Frota), com a missão de dissuadi-lo desta “loucura senil”.
Entre idas e vindas, diálogos e monólogos, o conformista, pés
no chão, percebendo que a verdade faz mal ao colega, opta pela mentira
necessária e, pelos brios da amizade, acaba repartindo com ele, como
acompanhante, o sonho musical.
A superlativa direção de Daniel Archangelo acentua, com rara
sutileza, a nuance tragicômica do enredo dramatúrgico, num preciso sotaque de
atemporalidade. Completada, ainda, na propriedade das luzes (que ele acumula) e
no acerto dos figurinos (Ricardo Rocha).
Enquanto a carismática performance dos atores em coeso duo (Wilmar Amaral/Roberto Frota) é capaz, enfim , na sua emotiva envolvência, de
conduzir palco/plateia, reflexivamente, ao libertário voo do sonho, saída e
consolo no difícil ato de suportar a condição humana.
Wagner Corrêa de Araújo
O ACOMPANHAMENTO. Abril de 2015. Foto/Luiz Luz. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário