Frida y Diego. Janeiro de 2015. Fotos / Lenise Pinheiro
Frida Kahlo, recorte dramatúrgico de vida e obra. Frida y Diego e Frida, a Deusa
Tehuana, encenadas no Rio: dor física e moral transmutada em amor e beleza
Numa oportuna e feliz coincidência, dois espetáculos em
cartaz abordam, com propostas estéticas e conceituais absolutamente diferentes,
a vida e a obra da pintora mexicana Frida Kahlo.
Sua trágica trajetória existencial teve seu contraponto na
carismática obra, mix da tradição
popular indigenista com o impulso de uma linguagem de plena modernidade.
Retrato sem retoques de uma era artística e histórica de
força contundente, nela estão refletidas marcas decisivas de atitudes políticas
revolucionárias ao lado de seu consorte, o muralista Diego de Rivera, além das
posições desafiadoras de liberdade moral, comportamental e emancipativa do vir
a ser feminino.
Seus males físicos, causados por uma sequência de doenças e acidentes que a deixaram viver presa a espartilhos, cadeira de rodas e a maior parte de seu tempo relegada a um leito quase hospitalar, levaram- na a um permanente e sofrido grito parado no ar: “Meu corpo carrega em si todas as dores do mundo”.
Rose Germano em “Frida, A Deusa Tehuana” | Fotos Renato Mangolin
Relacionando as duas visões teatrais, podemos dizer que, em
sua diversidade, uma completa a outra, tanto no aspecto dramatúrgico como na
sua condução reflexiva.
No minimalismo da concepção cênica de Frida, a Deusa Tehuana,
o diretor Luiz Antônio Rocha, inspirado nos escritos e diários da pintora, faz
parceria autoral com a atriz/protagonista Rose Germano, armando os olhos da
plateia para um mágico mergulho nos espaços siderais da mente de uma
artista-mor e livre pensadora.
Com entrega absoluta da intérprete, em intimista nuance expressiva
e apurado gestual (Norberto Presta), destacam-se, ainda, a singularidade da
ambientação cênica (Eduardo Albini) com a adequada iluminação (Aurélio de
Simoni) e o climático score musical ao vivo, com os solos do violonista Pedro
Silveira.
Já em Frida y Diego, a peça de Maria Adelaide Amaral, o foco são os desejos, ciúmes e jogos sexuais de paixão, lamento e cumplicidade, na união de dois artistas, conceituada na simbologia de sua época, como bodas de “um elefante e uma pomba”.
Sob o preciso comando de Eduardo Figueiredo, Leona Cavalli (Frida Kahlo) e José Rubens Crachá (Diego Rivera) interagem seus conflitos
pessoais, numa especial performance em que se equilibra e digladia, com
dinâmico acerto, o elo masculino/feminino dos dois atores.
Neste emotivo duelo em torno de uma arena existencial,
conjugal e artística, ocorrem momentos propiciados pelo próprio enredo
dramatúrgico, de maior domínio ora de um, ora de outro personagem.
O favorecimento da belíssima concepção cenográfica (Márcio
Vinícius), com as superlativas cores dos figurinos ao lado da projeção, em
diferentes dimensões, da criação plástica dos artistas, tem a envolvência
necessária na luz (Guilherme Bonfanti) e na trilha sonora ao vivo de Guga
Stroeter/ Matias Capovilla.
A força maior do enfoque psicológico/introspectivo da
primeira Frida (“Sou o assunto que conheço melhor”), na outra-Frida y Diego- tem uma abrangente
exteriorização narrativa em seu universo biográfico : “Não pinto sonhos, pinto a minha realidade”.
Para os que aceitarem o convite para esta dupla viagem teatral, fica o aprendizado da dor física e moral transmutada em amor e arte e a lírica saída poética de Frida em sua ilimitada beira do abismo: “Pés para que os quero, se tenho asas para voar".
Wagner Corrêa de Araújo
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