FOTOS / DALTON VALÉRIO |
Poeta e dramaturgo sueco, Lars Norén pertence a uma linhagem
de autores dimensionados por um prevalente substrato psico-politico em peças
que, sob um sutil sotaque de absurdidade, abordam as disfunções no modus
vivendi familiar e seus reflexos especulares no contexto social.
Considerado o mais autêntico sucessor nacionalista de A. Strindberg,
sua obra apresenta também um referencial psicossomático do difícil suporte da condição humana. Diante do implausível assombramento vivencial num cotidiano de
crueldade, de desalento e de desesperança.
O que levou Norén a
escrever uma peça - Sangue - sinalizada por predestinações implacáveis na
trajetória de seus personagens aproximando-os, assim, por estes caracteres de
metafórica transposição e na
especificidade consanguínea dos seus protagonistas, da amarga saga ancestral do Édipo Rei de Sófocles.
Aqui, através da narrativa dramática sobre uma jornalista chilena - Rosa
(Luciana Braga) – torturada após o golpe de Pinochet, juntamente com seu marido
e psiquiatra Eric (Charles Fricks),
obrigando os ao exílio parisiense. E
que, durante um programa francês de tevê, entrevistada por Madeleine (Sura Berditchevsky) fala sobre o filho de oito anos, deixado
para trás como mais um dos desaparecidos
pela ditadura militar.
Surgindo, a partir daí, um quarto personagem o jovem Luca (Pedro Di Carvalho) ex-paciente e,
ao mesmo tempo, tornado amante de Eric com quem ele dialoga, do consultório, por
telefone em acionamento simultâneo com o depoimento televisivo de Rosa.
Sequencialmente, se sucedendo revelações como a AIDS de Luca, o caso homossexual e o
envolvimento sexual súbito deste com Rosa com o sintomático revés do parentesco
filial. Culminando, enfim, no fatídico encontro dos três personagens, direcionando-os à terminalidade fatal do enigma.
Bruce Gomlesvsk pela segunda vez incursiona pela obra de Lars Nolén, depois de sua visceral
versão da psicopatologia dos traumas existenciais na insensatez infernal de Demônios, que ele trouxe, com êxito crítico e retorno de público,
aos palcos brasileiros em 2016.
Mas esta retomada enfrenta, agora, o desafio de uma
dramaturgia previsível, sem a força da anterior, na obviedade quase simplória
de pistas referenciais (como o sinal do pé machucado de Luca), para desnudar o
complexo edipiano sob um generalizado e pretensioso sustento conceitual dos
desmandos ditatoriais de um país sul americano.
Onde o clima cáustico de amores rastejantes no entremeio de
ódio, acerto de contas e solidão, acaba
se confundindo com estéreis saídas psicopáticas,
como o sugestionamento dramático dos mecanismos sadomasoquistas de domínio e submissão da vítima ao torturador, transubstanciados respectivamente por Rosa e Eric.
Mesmo assim, é superativo o élan inventivo do sempre
energizado comando diretorial de Gomlevsky, ampliado na funcional mobilidade
(com o uso de baús) da ideia cenográfica (em parceria com Vinicius Fragoso), no coloquialismo
elegante da indumentária (Maria Duarte) e na solidez das marcações luminares (Felício
Mafra, vulgo Russinho). Além da precisa incidentalidade no acento de climas emotivos através da trilha sonora de Marcelo Alonso Neves.
Sabendo ligar o gesto à palavra, em convicto intencionalismo performático,
os atores Luciana Braga e Charles Fricks seguram bem os tempos dramáticos e
preenchem os incômodos vazios da narrativa. Com uma favorável participação de Sura Berditchesvky na
interveniência episódica de um papel
mais discricionário.
O estreante no palco teatral Pedro Di Carvalho é um intérprete
quase pronto para o papel mas incorrendo numa sensorialidade física um tom acima.
Faltando-lhe, ainda, um necessário embasamento de carga introspectiva, sendo ele o elemento propulsor dos
transes humanos, emissário de vísceras e sangue,
de um édipo com o olhar armado na
contemporaneidade.
Wagner Corrêa de Araújo
SANGUE está em cartaz no Sesc Copacabana ( Teatro de Arena)
de quinta a domingo, às 19h. 100 minutos. Até 1º de setembro.
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