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FOTOS/NANA MORAES |
Platonov, de 1878, é um pouco lembrado experimento
da linguagem teatral de Tchekhov nos seus
dezoito anos cronológicos, mas já em perceptível processo imersivo naqueles que
seriam os fundamentos de seu legado estético à história da dramaturgia universal.
Talvez propositalmente esquecido num baú de guardados, não só
pela incomoda extensão de seus cinco atos, mas ainda por sua textualidade de carácter fragmentário ou por ser reiterativamente indagativo nos procedimentos da composição definitiva de sua escritura cênica.
Onde aparecem os primeiros traços, sutilizados e ainda com lacunas, do que seria uma
elementar antecipação do substrato realista/psicológico, marca presencial das obras
futuras do escritor e dramaturgo russo. E que levaria ao conceitual e às muitas teorizações inventivas de Stanislavski sobre o acionamento psicofísico na representação teatral.
Mesmo considerada um desafio a sua encenação em tempos
modernos, vez por outra tem ressurgido pela desconstrução de sua gramática cênica nas livres releituras,
sempre de olhar armado na contemporaneidade. Como na década de 1970, inspirando o cineasta
Nikita Mikhalkov, através do bem-humorado e irônico teor crítico de seu filme Peça Inacabada para Piano Mecânico.
Em sua propriedade rural uma rica viúva promove um jantar de
congraçamento entre amigos no qual se exibe uma burguesia russa à beira da ruína
social. Conflituada em suas próprias racionalizações da perda do sentido da
condição humana e sobre a “detestável”
monotonia e o entediante fardo de seu falido universo existencial.
No desencanto pelo momento vivido e sem o alcance imediato de
quaisquer caminhos para uma saída final, esta transposição, com o signo da atemporalidade na visceralizada conduta diretorial de Márcio Abreu,
remete, metaforicamente, à crise vivencial num país sem eira e sem
beira, sob a incompetente conduta de sua classe governante. No entremeio especular do mal estar e da vontade de viver, na premente necessidade
de revolta e de apelo, outrossim, por um movimento capaz de radical metamorfose politico/social.
Ainda que o tratamento desta presente montagem aparente distanciar-se de um original
tchekhoviano ao transcender sua
interiorização, na quebra de elementos básicos como suas pausas e silêncios. E por uma quase transgressiva representação
acional, sob a pulsão de nervosa linguagem corporal (Marcia Rubin), dos estados emotivos dos personagens diante de um
prevalente vazio.
Com dois módulos/atos diametralmente opostos indo do sonho ao
pesadelo, entre a encenação realista e uma cinética ação interior. Integrando ao contexto criador, em convicta e
consistente entrega e adesão aos seus papéis, um harmônico octeto atoral (Camila
Pitanga, Cris Larin, Edson Rocha, Josi Lopes, Kauê Persona, e três Rodrigos, com
seus respectivos sobrenomes - Bolzan, Ferrarini e Dos Santos).
Em espontânea, ora rompante ora irreverente, interatividade
da paisagem cenográfica (Marcelo Alvarenga) que extrapola os limites da caixa cênica, incluindo a plateia e as áreas espaciais no além das portas do teatro, pelo compartilhamento
vivo -atores/espectadores - de lúdicas ou invasivas
cenas.
Sob um desenho luminar (Nadja Naira) propulsor de gradativas
nuances ambientais, ressaltando contrastes materializados no tropicalismo exacerbado da indumentária
(Paulo André e Gilma Oliveira) ou em psicodelizadas projeções plástico-fotográficas (Batman Zavareze), sustentadas por incisivas intervenções sonoras (Felipe Storino).
Justificando, enfim, a encenação atualizada, pela Companhia Brasileira de Teatro, de um texto menos
valorizado da juventude de Tchekhov, aqui sob a titulação significante de Por Que Não Vivemos?. Que transmite, nos
investigativos questionamentos concepcionais de seu comando mor (Márcio Abreu),
um necessário e reflexivo recado para dias vividos hoje como aqueles, entre o desalento, a dúvida e as sombras.
Wagner Corrêa de Araújo
POR QUE NÃO VIVEMOS está em cartaz no Teatro I do
CCBB/Centro/RJ, de quarta a domingo, às 20h. 150 minutos. Até 18 de agosto.
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