“As mulheres no palco
da ópera cantam invariavelmente a sua eterna derrota”
, este é o enunciado e o conceitual da
alentada análise musical e psicanalítica
que Catherine Clément faz sobre o feminino na cena operística ( A Ópera ou a Derrota das Mulheres).
Mas as trágicas e fragilizadas heroínas românticas, foram se transformando
em protótipos afirmativos de um domínio
sedutor, na intermitência das pulsões fatalistas/voluptuosas de “Salomé”( R. Strauss) ou da “Lulu” (A. Berg) ou entre os embates de crueldade ambiciosa da "Lady Macbeth de Minsk”(D. Shostakovich).
E,em tempo de hoje na criação musical brasileira , através do processo da transmutação do
feminino da “lama à flor de lótus”, no verismo existencial de uma passagem da infância de uma atriz/cantora(Gabriela Geluda),na
ópera de câmera “Na Boca do Cão”.
Que, em compasso de vocalismo arioso e de visceral fisicalidade, transfigura assim, em expositivo psicologismo moral, o delirante medo da
menina /mulher, em processo catártico, por ter sua cabeça em abissal
aprisionamento entre dentes caninos.
Com gosto de sangue, vertigem e susto retomados , entre a verdade e o imaginário, no
libreto/poema de Geraldinho Carneiro e no sotaque de contemporaneidade
operística do compositor carioca Sérgio
Roberto de Oliveira.
Conduzida em singular escritura musical , de intimismo camerístico, mais reflexivo e
menos dissonante, no trio clarinete/clarone ,violoncelo e percussão. Em onze movimentos
destinados a voz solista de soprano(Gabriela Geluda) e trio , com apenas dois
interlúdios instrumentais.
Alternando–se respectivamente nas apresentações, com
exponencial maturidade e apuro interpretativo em solos, duos e conjunto, Cristiano Alves/Cesar Bonan( sopros), Ricardo
Santoro/Murillo Gandine(cordas) e Leo Souza/Rodrigo Foti (vibrafone/caixa).
Dando vazão à sua anterior experiência , no teor comunicativo dos shows de MPB em
noitadas da Lapa, Sérgio Roberto de Oliveira vem se destacando, além fronteiras, com
sua audaciosa guinada autoral na contemporaneidade da música brasileira de
concerto.
Mantendo o olhar armado no lastro inventivo mas
evitando sempre a pecha do hermetismo experimental. Na perceptível acessibilidade melódica de seus fraseados e acordes, entre cadencias
reiterativas de prevalente tonalidade, como é o caso desta sua presente incursão
operística.
Integralizada , agora, no alcance da sua progressão dramática, pelo
instintivo comando conceptivo/diretorial
de Bruce Gomlevsky, aqui com um sutil referencial bauschiano de dança/teatro, com o seguro apoio do incisivo gestual imprimido por Rocio Infante.
De sintonização cênico/musical , ampliada no sensitivo
recato, entre luz e sombras, dos efeitos luminares (Elisa Tandeta),no
minimalismo do aporte cenográfico (Fernando Mello da Costa),além do seu analítico
figurino(Carol Lobato).
A situação limite da trama psicológica nos recortes do
libreto/poemático(Geraldinho Carneiro) ,com fluência na expansão vocal e na imanente
entrega psico/física a um personagem alter
ego da protagonista, surpreende pela provocante e ardorosa representação de
Gabriela Geluda.
Que ao lado do primado sensorial, do lúdico ao lúbrico na expressão
do pânico, possibilita ao espetáculo um contraponto critico, ora pelo cruzamento de linguagens
artísticas ora no inusitado de uma performance operística tratada como uma
cotidiana temporada teatral.
Wagner Corrêa de Araújo
NA BOCA DO CÃO está em cartaz, no Centro Cultural Banco do Brasil/Centro/RJ, de quinta a domingo, às 19h30m. 60 minutos. Até 30 de Julho.
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