FOTOS/MILTON MONTENEGRO |
“Uma pessoa fica mais exposta e se revela mais, acima de
tudo, na guerra e, talvez, no amor. Até no que é mais profundo, até as camadas de baixo da pele.
Diante da face da morte, todas as ideias empalidecem e se revela a eternidade quase incompreensível para a qual ninguém está preparado”.
No contraponto do domínio masculino e
numa singular percepção conceitual e sensorial do pensar sobre a guerra, o
livro da prêmio Nobel 2015 Svetlana
Aleksiévitch inspira a versão teatral, em similar nominação, de A Guerra Não Tem Rosto de Mulher. Numa concepção
dramatúrgica a oito mãos, do tríptico performático (Carolyna Aguiar, Luisa Thiré e
Priscilla Rozenbaum) e do comando diretorial de Marcello Bosschar.
A progressão dramática acontece com
os mesmos atributos da narrativa original, entre o relato jornalístico e a escrita
literária, com uma transposição limitada a 40 depoimentos de
mulheres/combatentes no front soviético/nazista.
Num polo oposto ao Aristófanes da clássica Lisístrata, A Greve do Sexo,
aqui as mulheres não assumem a belicosidade num ato de protesto anti-guerra mas
contam sua experiência existencial na Segunda Guerra Mundial. Sempre pela ótica
de sua corajosa participação nos campos de batalha, desafiando a estabelecida prevalência
do homem na universalidade histórica de todas os conflitos entre armas e nações.
Em que o desafio à feminilidade nunca
é motivo de vergonha mas de orgulho, ao
portarem uma indumentária masculinizada nas grosseiras botas, rústicos macacões
e até largas e deselegantes peças intimas , capazes de realçar mais a cor de seus ciclos
menstruais. Transmutando-se de noivas, esposas e mães, em enfermeiras, franco
atiradoras e guerreiras da resistência civil.
Priorizando uma encenação de absoluto
despojamento , a direção de Bosschcar enfatiza o presencial físico e o dimensionamento
psicológico de mulheres em estado de guerra enquanto irradiantes atrizes e
personagens. Desdobrando-se na sintonia da cativante entrega de Luisa Thirê,
Priscila Rozembaum e Carolyna Aguiar( esta, ainda, no preparo corporal) ao ato
da representação.
Perceptível, assim, no teor confessional de cada papel , desde a
exacerbação das nuances emotivas , carregadas de sensitivas revelações no
enfrentamento dos desalentos existenciais, à ambiguidade de híbridos gestos no contar histórias
de usurpação do status comportamental feminino.
Neste quase teatro/dança, filigranado
nos efeitos do desenho de luz (Aurélio de Simoni) e na essencialidade dos figurinos(Kika Lopes)
, destaque para o requintado score sonoro/musical(M. Bosschar) com passagens da Sinfonia "Titã" de Mahler e da ópera Kepler de Philip Glass ,no entremeio de ruidosas explosões e roncos de motores, ao epílogo celebrativo numa energizante coreografia de sotaque pop/rock.
Onde, mesmo sem o escape de aproximação quase monocórdia de uma reiterativa linha dramática, há uma indagação reflexiva , muito
além da vitória no front, sobre a quebra
do silencio de vidas quase inteiras, nos sofridos depoimentos destas mulheres que ajudaram, afinal, a
escrever a história de uma guerra sem
rosto...
Wagner Corrêa de Araújo
A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER está em cartaz no Teatro Poeira, Botafogo, de quinta a sábado, 21h; domingo, às 19h. 90 minutos. Até 27 de agosto.
Wagner Corrêa de Araújo
A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER está em cartaz no Teatro Poeira, Botafogo, de quinta a sábado, 21h; domingo, às 19h. 90 minutos. Até 27 de agosto.
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