PALAVRAS AO VENTO : DELIRANTES VOOS DRAMATÚRGICOS

INFÂNCIA, TIROS E PLUMAS. MAIO DE 2015. Foto/ Divulgação Cabéra .

No já bibliográfico teatro autoral de Jô Bilac - Infância, Tiros e Plumas - ocupa o 21º lugar. Que se torna, depois de uma constância de êxitos no percurso da nova dramaturgia brasileira, o primeiro desacerto de sua construção textual, embora o tema seja oportuno e inspirador.

Com sua proposta de humor negro mostra o resultado do contraditório universo social em que é moldada a formação da criança, no âmbito familiar ou na escola, além dos traiçoeiros apelos atrativos da mídia contemporânea, especialmente a internet e os videogames, com a lúdica aposta na destruição e na morte.

Infância fragilizada diante de um cenário de violência e corrupção, desigualdade e pobreza, de vazio moral e de falta de esperança no futuro. Cruel realidade fantasiosamente disfarçada através da “obrigatória” viagem de pais e filhos, de boa classe e recursos, ao idealizado sonho da Disney World.

No voo, dois meninos Juanito (Jefferson Schroeder) e Júnior (Luis Antonio Fortes), este ao lado de pais em crise conjugal (Debora Lamm e Leonardo Brício), além da pequena Suzaninha (Carolina Pismel), acompanhada de um segurança (Iano Salomão). Em convívio com uma tripulação emocionalmente conflituada, da aeromoça (Juliane Bodini) aos dois comissários/traficantes (Júnior Dantas/Zé Wendell).

Nove personagens capazes de detonar, a partir da falsa aparência comportamental do início, trepidações aéreas emocionais de paixão e ódio, frieza e violentação moral, sem distinção entre adultos e crianças, estas também afetadas pelas banalidades da sociedade de consumo.

Mas a espera de uma possível perspectiva não se concretiza plenamente no superficial aprofundamento desta tragicômica trajetória da intolerância e de particularização caricatural da condição humana.

Entre idas e vindas, altos e baixos, nas defesas em bloco e ataques em particular dos personagens, o grande mérito fica é com a superlativa direção de Inez Viana. Que não poupa esforços para validar cenicamente uma trama narrativa de sequencial decomposição. 

E, assim seu rigoroso comando alcança a coesão entusiasta de um aplicado elenco, com uma radiante performance de Débora Lamm e a envolvência de Carolina Pismel.

Além do inventivo dimensionamento cenográfico (Mina Quental), a boa adequação das luzes (Renato Machado e Ana Luiza de Simoni) sustenta o ajuste do figurino (Flávio Souza) e o propício score sonoro (Marcelo Alonso Neves), ressaltando um gestual com sutis nuances de teatro/dança (Dani Amorim).

Enfim, em mágico milagre teatral, os vícios de um texto transformados em virtude estética pela fértil habilidade imaginativa de uma comandante de primeira classe dos aéreos palcos cariocas.

Gerald Thomas vem se destacando, no entremeio de aplausos e polemicas, em direções teatrais com acentuado teor crítico e de uma particularíssima visão pessoal. Ora em textos metalinguísticos de sua própria lavra, ora conectando, num mix metafórico, as influências da escrita beckettiana aos signos da civilização tecnocrática contemporânea.

Em sua mais recente concepção dramatúrgica – Entredentes – parte de um aforismo que, por si só, é capaz de conduzir a uma acirrada guerra de conceitos filosóficos, ideológicos, morais, sociais e políticos quando apresenta a peça com o mote : “Muros servem para dividir, mas servem para unir, quando caem”.

Palavras que, em sua abrangência do caótico e conflituoso retrato hodierno do planeta terra, criam uma saudável expectativa na percepção participativa de qualquer espectador pensante.

Quando dois astronautas elegem como ponto de pouso o Muro das Lamentações, fissurado como uma genitália feminina em sua representação cenográfica (Gerald Thomas e Lu Bueno), extensiva à indumentária de sugestionamento orientalista, em meio a uma climática iluminação (G.Thomas) de vazados efeitos visuais, vislumbra-se, inicialmente, um espetáculo que certamente vai conduzir a uma discussão dialética.

Depreende-se logo que estes passageiros espaciais são um judeu (Ney Latorraca) e um muçulmano (Edi Botelho) que partem para uma desafiante dialetação, entrecortada por monólogos.

Com uma torrente de referencias da crise politica mundial entremeada com reflexões aleatórias de criticas à brasilidade, sob as intervenções do terceiro personagem, em exacerbada performance da atriz portuguesa Maria de Lima em nervosa gestualização (Daniella Visco). 

Mas, em menos de meia hora de espetáculo, instala-se um caos conceitual que, em sua falta de nexo, na sua gratuidade e no seu tônus apelativo, não leva a absolutamente nada, quando não é capaz de mobilizar qualquer coração ou mente, não conduzindo, enfim, a nenhuma leitura da plateia.

E deste naufrágio, onde não vem a tona nem mesmo a esperada desconstrução do discurso dramatúrgico, sobra apenas a presença magnética de um autêntico mistificador mor (Ney Latorraca) da estética cênica. 

                                        Wagner Corrêa de Araújo

ENTREDENTES. NOVEMBRO 2014. Foto /Alison Louback.


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