A FELIZ(C)IDADE É TRANSFORMADORA E MORA AQUI NO PALCO

ELZA E FRED. Agosto 2014. Foto / Guga Melgar.

Três peças da temporada 2014/15 nos palcos cariocas mostram que, muito além dos dissabores, a idade avançada é como uma segunda infância para os que sabem como vivenciar bem a realidade existencial sob o alcance da velhice.

Inspirada no filme argentino, de 2005, por Marcos Carnevale, com similar titularidade, a peça Elza & Fred – O Amor Não Tem Idade, na concepção direcional de Elias Andreato, assume um contexto brasileiro e tem seu destaque na convicta entrega à representação do casal, protagonizado por Suely Franco e Umberto Magnani .

Mesmo assim, ao contrário do exato dimensionamento psicológico da versão cinematográfica, não conseguindo escapar de uma quase incômoda concessão às facilidades do melodramático, acentuada inclusive por sua trilha sonora (Jonatan Harold) “sentimental demais”...

O que a distancia de uma exemplar peça, com temática aproximativa, Ensina-me a Viver, que marcou, com raro brilho, o final de carreira de Madame Henriette Morineau, nos anos 80.

Aqui, um pequeno acidente com um automóvel nas imediações do prédio, onde vivem no entremeio de nostálgicas lembranças os idosos e vizinhos Fred (Umberto Magnani) e Elza (Suely Franco), serve de pretexto para uni-los numa trama novelesca de amor e amizade, fazendo-os sonhar e sorrir novamente, quais dois jovens e românticos apaixonados.

Um entrecho dramatúrgico de apelo fácil ao lugar comum que, às vezes, chega a cansar por sua previsibilidade. E, ainda, por suas desnecessárias personagens de segundo plano (por Mayara Magri, Eduado Estrela, Luciano Schwab) que apenas desviam o foco da narrativa primordial. O que felizmente é resgatado pela vigorosa presença cênica de Suely Franco, ao lado do adequado sotaque de timidez assumido pela personificação de Umberto Magnani.

Quanto a peça Meu Nome é Ernesto, em adaptação livre do original de Robert Anderson, há uma funcional caracterização visual/cenográfica das ambiências domésticas (Vanessa Alvez), ressaltadas pelo desenho de luz (Airton Silva)  maquiagem e figurinos (Daniele Gabriel e Isabel Lima Leite).

Além  de um peculiar gestual (Isabel Chavarry),  para caracterizar um casal de velhos (Arthur Ienzura e Jéssika Menkel), capaz de confundir suas reminiscências de personagens com as loucuras e liberdades de qualquer jovem.

Em montagem que, mesmo com as limitações naturais, de um elenco em crescimento e de pequenos desacertos da concepção cênica de Felipe Fagundes a partir de um texto frágil, dá sinais de promissora revelação teatral.

Estas duas peças, enfim, acertam na abordagem da chamada feliz idade entre dois “vovozinhos" valendo ser conferidas, especialmente, pelo que deixam da gratificante lição de que o amor não tem época e que só é velho quem deixa de amar.

MEU NOME É ERNESTO. Agosto 2014. Foto / Karla Kalife.

Se meus demônios me abandonarem, temo que meus anjos desapareçam também”, este pensar poético de Rainer Maria Rilke poderia servir de epígrafe para uma análise crítica da sensível transposição para o palco do livro de Lya Luft – “Perdas e Ganhos”, com a conexão do mágico talento da mãe atriz (Nicette Bruno) ao lavor inventivo da filha e diretora (Beth Goulart).

Concebido como um tributo memorialístico à militância do patriarca teatral (Paulo Goulart) de uma família inquilina do palco, o espetáculo se apoia na digna presença de uma atriz maior para impulsionar, com seu teor reflexivo guiado pela sensibilidade, a cumplicidade da plateia.

Na sua exposição do difícil ato de suportar a condição humana, diante dos reveses que a condicionam neste “viver é tão perigoso”, na filosófica lição do Rosa da prosa, é extasiante a condução dramatúrgica do texto, com sua mensagem mimética de superação da derrota das perdas com a vitória dos ganhos transformadores.

Onde, enfim, são muitas as felizes revelações nesta arquitetura cênica, construída preciosamente de descobertas minuciosas em cada segmento.

Desde as projeções (Renato/Rico Vilarouca) criando sugestivos climas cenográficos (Ronald Teixeira), no limite do real e do sonhado ao acerto da luminosidade entre sombras (Maneco Quinderé). Incluindo-se a virtuosidade ambiental do score musical (Alfredo Sertã), tendo como original  presente as canções da Nicette compositora e intérprete pianística.

Esta singularidade estética, sustentada na dramatização dos segredos da trajetória de vida de cada um de nós, se equilibra entre as adversidades e as alegrias, das opções amorosas aos afetos familiares, das tristes memórias à nostalgia das boas lembranças. Que, nos altos e baixos da cíclica metamorfose cronológica, é conduzida a uma elegante aceitação da decadência física.

Atingindo, enfim, uma exemplar nuance interpretativa, na maturidade da sua atriz protagonista Nicette Bruno, com sua energia, sua franqueza, sua verdade e sua competência. E no seu direcionamento, com a peculiar maestria do olhar de Beth Goulart, fazendo de “Perdas e Ganhos” a primeira grande revelação da temporada 2015.

E completada, ainda, na simbólica constatação de filosófico aprendizado, a partir de sua autoria literária (Lya Luft), ao proclamar sabiamente  que “o tempo aparentemente tudo leva e tudo devolve como as marés, mas que só nos afogamos na medida em que permitimos”.

                                          Wagner Corrêa de Araújo

PERDAS E GANHOS. Janeiro 2015. Foto / Nana Moraes.

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