VILÕES DE SHAKESPEARE: IDENTIFICANDO-SE COM O MAL CONTEMPORÂNEO


FOTOS/GUI MAIA

Enfant terrible
do teatro britânico contemporâneo, Steven Berkoff tem registrada a passagem de seu natalício octogenário na montagem, em nossos palcos, de sua peça Vilões de Shakespeare, com o protagonismo solo de Marcelo Serrado e sob o comando diretorial de Sergio Módena.

A múltipla  incursão artística de Berkoff vai do teatro, onde atua como dramaturgo, ator e diretor, às sua presencialidade no cinema, com prevalência de papéis identificados com a maldade e a vilania. Como os malfeitores em Rambo e no James Bond Octopussy, ou no Kubrick , de Laranja Mecânica e Barry Lyndon.

Mas a encarnação mais polemizada de sua trajetória foi como Hitler em seriado , num contraponto político à sua própria condição judaica. E também quando assumiu o “sujo” judeu Shylock ( do Mercador de Veneza) na performance inaugural de sua peça Vilões de Shakespeare( 1998 ).

Agindo assim, provocativamente, incomodou tanto,  a ponto de uma jornalista inglesa classificá-lo de “horrivelmente feio” e do roqueiro Bryan May abrir uma de suas canções com a frase –“Tenho medo de Steven Berkoff”.

Mas, apesar do radicalismo de afirmações autorais anti-étnicas  como “odeio Israel, odeio o sionismo, mas não odeio os judeus”, ele acabou foi recebendo, com esta peça, o prêmio Laurence Olivier. Uma espécie de investigação teatral em torno de malévolos personagens shakespearianos, entre os rigores da  pesquisa acadêmica e o criticismo irônico de sua nuance stand up, com olhar armado na contemporaneidade.

E é exatamente este confronto alterativo de tragi(comi)cidade na representação destes arquétipos da vilania , de sério embasamento clássico/historicista na trajetória da criação dramatúrgica, que nos faz enaltecê-la por seu teor lúdico/risível ou simplesmente odiá-la pelo risco de um superficial aprofundamento temático.

À convicta concepção de Sergio Módena , a partir de uma cuidadosa tradução/adaptação de Geraldinho Carneiro, não se pode atribuir qualquer desvio de transposição cênica quando, nos interregnos de episódicas passagens dos originais shakespearianos , abre-se uma cumplicidade opinativa palco>plateia( induzida, inclusive, pelo próprio Berkoff).Aqui unificando-se numa indumentária atemporal(Carol Lobato) e no belo desenho de luz de Paulo Denizot.

Sob o alcance da tarimba e maturidade de Marcelo Serrado, neste formato teatral de humor interativo, sabendo quando se  deve preservar a progressão dramática na instantaneidade da personificação destes anti-heróis, “ausentes de amor e compaixão”, como Iago(em Otelo), Macbeth,CoriolanoRicardo III ou Shylock.  E com uma até inabitual e ousada inclusão de outros “não tão culpados” sob as pulsões da fortuna, casos de Hamlet ou Oberon (Sonho de Uma Noite de Verão).

Ou quando  se avança na cumplicidade participativa desta dialetação stand up. Às vezes funcional, às vezes de um imbecilizante vazio, na resposta de cada espectador, com inteligente sutileza ou por ocos lugares comuns. Neste, enfim até propício, referencial identitário da vilania de seus personagens com a implacabilidade maléfica dos mentores de um vergonhoso status político por nós vivenciado.

                                                Wagner Corrêa de Araújo


VILÕES DE SHAKESPEARE está em cartaz no Teatro dos Quatro, sexta às 21h30m;sábado e domingo, às 20h. 70 minutos. Até 01 de outubro.



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