TUDO O QUE HÁ FLORA: MAS NEM TUDO É COMO PARECE

FOTOS/PAULO HENRIQUE COSTA BLANCA

Entre o ir e o ficar, o desistir ou o persistir, o dizer não querendo dizer sim, o estar perto estando longe, o desgostar fingindo ser feliz...

Ora pelo  imaginário ora na  realidade cotidiana, entre a solidão e o sonhado afeto, com desejo e medo move-se o protagonismo de Flora. Deixando preencher o  vazio afetivo pelas obsessões de seu destino domiciliar - na ansiedade da faxina ou na multiplicação culinária de arrozes diferenciais.

Enquanto vai remoendo sua espera por um marido incomodo  e que só trava seu furtivo encontro com os dois amantes/irmãos. Permissivo apenas nestas ausências abençoadas, no entremeio de um  arriscado mas divertido jogo do engano e da traição amorosa. Revitalizando  sua sexualidade e longe, enfim, do insensato preenchimento presencial com uma enceradeira e um fogão.

E é, assim, nestas curvas e descobertas que se estabelece o metafórico percurso dialetal da peça Tudo O Que Há Flora, singularizada incursão dramatúrgica de Luiza Prado, potencializada na inventividade diretorial de Daniel Herz.

Num eco de teatro do absurdo, no querer quase introspectivo/confessional de Flora (Leila Savary) de ter que estar mais  consigo mesma no contraponto psicofísico com os invasores, consanguineos parceiros de sua paixão (personificados por Lucas Drummond e Thiago Marinho). Diante das episódicas interrupções  de um consorte/marido  oficial(Jorge Renato) que , pela vontade sensorial dela, melhor seria quanto mais demorasse a voltar.

Com um sutil toque de humor negro e além de sua perceptível modulação dramática de lúdico comportamento  amoral,ainda, há uma irônica tessitura referencial do  vazio e do fugaz nas  relações sexo/afetivas.

A habitual competência de Daniel Herz confere uma densidade de farsa poética, entre o risível e o melancólico, neste jogo teatral de ambiguidade de palavras, trocadilhos e ditos populares. Sabendo como dar suporte à ação,  transcendência à  emotividade e intenção crítica a uma teatralidade gramatical dos lugares comuns da ronda amorosa.

Sintonizada no empenho de um elenco jovem, capaz de se destacar com adequação e unicidade interpretativa no papel  duplo dos amantes (Lucas Drummond/Thiago Marinho). Nas instantâneas mas convincentes intervenções de Armando, o marido de Flora(alternando nesta temporada, Jorge Renato><Rainer Cadete).E na espontaneidade do domínio de técnica e talento da irradiante mecânica gestual/vocal de Leila Savary (Flora).

Contando com o substrato criativo de uma instalação cenográfica(Fernando Mello da Costa) conceitual como uma caixa mágica de mistérios e surpresas e materializada, ainda, por figurinos( Antonio Guedes) e luzes (Aurélio de Simoni)que favorecem a representação.

O primado da linguagem corporal(Janice Botelho) mimetiza seus personagens quase como marionetes  que  surgem e desaparecem nas passagens/alçapões entre dois planos de uma casa de bonecas. Onde, na originalidade textual e na energia instintiva  da performance,no mais, tudo é como parece ser  nesta conquista inaugural da montagem primeira da Nossa! Cia de Atores.

                                                   Wagner Corrêa de Araújo
     
                               
TUDO O QUE HÁ FLORA em nova temporada, no Teatro Ipanema, sábado, às 21h;domingo e segunda, às 20h.70 minutos. Até 2 de outubro.

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