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Veias Abertas 60 30 15. Carolina Lavigne/Pedro Kosovski/Dramaturgia. Marco André Nunes/Direção Concepcional. Julho/2025. Ligia Jardim/Fotos. |
Em plenos anos 70, no entremeio de regimes ditatoriais que se
estendiam em processo ascendente na América Latina, o escritor uruguaio Eduardo
Galeano publicava um - livro Veias
Abertas - que se tornou ideário para autênticos cidadãos/patriotas que sempre se opuseram a todas as formas de
exploração imperialista.
Inspirando-se na titulação da obra original Aquela
Cia, reconhecida como
postulante de um teatro brasileiro esclarecedor em sua dialetação social,
política e cultural com um tempo histórico conectado à atualidade, registra
assim a passagem de seus vinte anos com a peça Veias Abertas 60 30 15.
Outra vez reeditando a parceria de seus criadores, Marco
André Nunes na direção concepcional e Pedro Kosovski em artesanal e inventiva
dramaturgia dúplice, com a valiosa colaboração de Carolina Lavigne. Contando
com um excepcional staff atoral,
integrado por Carolina Virguëz, Juracy de Oliveira, Matheus Macena e Rafael
Bacelar.
Onde Marco André Nunes assume uma desbravadora direção
concepcional, sob a proposta performática de um corpo-linguagem caleidoscópico,
a partir de uma instigante dramaturgia
de alcance latino-americano, indo além da temática exclusivamente pátria da
trilogia carioca anterior, inicializada pela peça tornada emblemática como seu ponto
de partida - Caranguejo Overdrive.
Em Veias Abertas na imersiva fluidez de
uma gramática cênica sustentada pela contagem numérica de 80 cenas rápidas
entre 60, 30 e 15 segundos, num conceitual dramatúrgico de instantaneidade das
relações humanas, em característico ressignificado estético dos dias de hoje, com
sua prevalente e irrestrita dependência às plataformas digitais.
Baseando-se em citação do livro de Eduardo Galeano e também
referenciada por Gabriel Garcia Marquez, sobre o trágico episódio denominado “Massacre das Bananeiras” na Colômbia,
1928, promovido pelo exército do país junto à pressão de uma empresa americana United Fruit Company, em sua recusa ao
atendimento reivindicatório dos operários locais.
Em diferencial manipulação da palavra e da corporeidade por intermédio de uma sala com danças latinas,
incluindo salsa, merengue, bolero, samba, através das aulas de uma professora (Carolina
Virguez) para um afetivo casal de alunos na iminência de um pretendido laço
matrimonial, sendo um deles militar
(Juracy de Oliveira em papel alternativo com Rafael Bacelar) e o outro operário
(Matheus Macena) da referida multinacional.
No preenchimento de um retrato cênico (Aurora Campos e Marco
André) disposto na imaginária plasticidade de um tablado de jogos, entremeado
pela vivacidade aquarelada de máscaras e indumentárias típicas (Fernanda
Garcia), sendo ressaltado em efeitos luminares ambientais (Renato Machado). Onde
três atores se apresentam, ora na envolvência de performances coreográficas / vocais,
ora sugestionando a violentação sanguinária de corpos submetidos a atos de
tortura política.
E é na hora das núpcias, com a farda militar e o vestido de
noiva, sob os acordes melodramáticos de clássicos do cancioneiro latino em
substanciais arranjos da trilha ao vivo (Felipe Storino) e uma sensorial e
energizada corporeidade gestual (Márcia Rubin) que acontece o morticínio
coletivo.
Destacando-se a convicta entrega a uma despudorada
transgressividade contrastante tanto no papel de Juracy de Oliveira como no de
Matheus Macena, da pulsão machista a uma ironizada feminilidade visualizando os
dolorosos desafetos de seus personagens.
Paralela a uma irradiante força performática imprimida por
Carolina Virguëz, na autenticidade da sua identificação psicofísica sinalizada
pela indisfarçável emoção sensitiva de uma atriz entre duas nacionalidades -
Colômbia/Brasil.
Tudo, enfim, numa simbólica alegoria da opressão politica colonialista
sobre os povos originários, traçada com sangue e alma pelo empenho de uma
provocante e reflexiva criação teatral, em mais que oportuno investimento pela resistência
estético/ideológica diante do risco especular de retrocessos políticos
incentivados por falazes “patriotas”,
daqui e de acolá, abaixo e acima da linha equatorial...
Wagner Corrêa de Araújo
Veias Abertas 60 30 15 / Aquela Cia. está em cartaz no Espaço
Multiuso/Sesc/Copacabana, de quinta a domingo, às 20:30, até domingo, 10 de agosto.
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