AVENIDA PAULISTA, DA CONSOLAÇÃO AO PARAÍSO : UM META TEATRO MUSICAL POETIZANDO O CAOS URBANO

Avenida Paulista, Da Consolação ao Paraíso. Felipe Hirsch/Direção Concepcional. Junho/2025. Helena Wolfenson/Fotos.

 

Da passagem dos vinte anos da montagem da peça Avenida Dropsie, inspirada em Will Eisner, às seis décadas de atuação do Teatro do SESI-SP, Felipe Hirsch retorna ao mesmo palco com uma inédita releitura dramatúrgica/musical da versão anterior, agora bem a propósito titulada Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso.

E nada mais oportuno do que ambientar a peça num significativo e similar endereço cultural correspondente à sua nominação temática. Aqui reproduzindo, dentro desta simbologia metafórica, a mesma paisagem cenográfica (Daniela Thomas e Felipe Tassara) da montagem original.

Um prédio com vários andares deixando visualizar, com projeções ao fundo, outros na tipicidade de uma metrópole urbana, incluindo janelas, vidros, persianas e até aparelhos de ar condicionado, possibilitando, assim, a alternância de cenas atorais, dos interiores às externas no calçadão da avenida.

Atrás ficam situados, nas diferentes plataformas residenciais, os instrumentistas, ao vivo integrando um Septeto musical, executando uma trilha sonora direcionada por Maria Beraldo, incluindo uma diversidade de estilos, ritmos e harmonias, em canções inéditas de jovens ou de reconhecidos compositores do Brasil de hoje, destacando, entre outros, Arnaldo Antunes.


Avenida Paulista, Da Consolação ao Paraíso. Dramaturgia Coletiva (Caetano W. Galindo, Felipe Hirsch, Guilherme Gontijo Flores e Juuar). Maria Beraldo/Direção Musical. Helena Wolfenson/Fotos.

Falando de solidão, desencontros, no entremeio da violência e da agressividade dos roubos, da súplica por uma esmola, além dos que se julgam capazes de previsões, dos ensimesmados, dos viciados em álcool e drogas. Tudo por intermédio de característicos  transeuntes do cotidiano, em busca de trabalho ou na expectativa de um  recado de afeto ou de esperança.

Preenchendo uma envolvente dramaturgia coletiva  (Hirsch, Caetano Galindo, Guilherme Gontijo Flores e Juuar) sobre a problemática psicofísica dos que habitam a grande cidade, focando especialmente os menos favorecidos pelo destino ou pela desafortunada posição social no caos urbano de todos os dias.

Através de um elenco incluindo doze atores entre novos talentos ou experimentados intérpretes, com alguns destaques sob a prevalência de cenas coadjuvantes. Protagonizadas por Amanda Lyra com sua nostálgica visita às ruínas futuristas do que teria sido um teatro, Georgette Fadel uma exímia habitante das ruas no seu ofício catador de lixo ou Marat Descartes em seus percalços na busca frenética por qualquer saída ao seu desemprego.

Em meio a reflexos luminares (Beto Bruel) entre claros e escuros, ressaltando suas despojadas indumentárias (Cássio Brasil) dia-a-dia, salvo algumas cenas referenciais à elegância aristocrática dos velhos tempos, sinalizando um afinado cast que se movimenta com preciso gestual (Marcelo Evelin) em consonância com as situações representadas ou ecoando em sua corporeidade os energizados acordes dos temas sonoros. Culminando o aparato técnico com uma chuva molhando de verdade os atores e a caixa cênica enquanto remete à mesma figuração naturalista da Avenida Dropsie.

Onde close-ups reflexivos acontecem no deslocamento dos personagens, atores, músicos e espectadores, em cúmplice e frontal miragem no espelho comum da condição humana e na perplexa expectativa de seu destino mortal frente às adversidades de cada um daqueles que passam por esta avenida metropolitana / existencial.

A convicta direção de Felipe Hirsch, um consumado inventor de ousado experimentalismo teatral, com sua habitual competência artesanal no exercício das ações criadoras, faz de Avenida Paulista, Da Consolação ao Paraíso um recorte sensitivo mas, antes de tudo, corajoso do coletivo urbano. 

Sabendo, no uso de sua peculiar gramática cênica, conectar o riso e a tragédia no traçado seguro de seus personagens sob a representação de um coeso elenco, capaz sempre de surpreender, provocar, seduzir e questionar o mais acomodado dos espectadores.

Neste jogo teatral vivo de uma dramaturgia sintonizada na contemporaneidade há que se ressaltar, como diferencial signo desta “paulicéia desvairada”, a mensagem urbano/universalista numa das canções da peça, um quase poema concretista de Juçara Marçal e Maria Beraldo em suas referenciais aliterações vocabulares :

"uma multidão chora solidão / solidão uma chora multidão / uma chora solidão multidão / chora multidão uma solidão”...

                       

                                           Wagner Corrêa de Araújo

 

Avenida Paulista, Da Consolação ao Paraíso está em cartaz no Teatro do Centro Cultural Fiesp/Bela Vista/SP de quinta a sábado, 20h; domingo,19h, até o dia 29 de junho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito longa! Cansativa .

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