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Meu Remédio. Mouhamed Harfouch / Dramaturgia e Performance. João Fonseca/Direção. Março/2025. Claudia Rodrigues / Fotos. |
Celebrando uma bem sucedida trajetória artística de 30 anos,
o ator Mouhamed Harfouch desvenda, sob inteligente humor, os segredos no
entorno de sua ancestralidade árabe-portuguesa e do exotismo de um nome próprio
na configuração de uma vida profissional dedicada aos palcos.
Tudo isto a partir de um original ideário que o levou a escrever
e titular esta peça como Meu Remédio,
em formato monologal e contando, em sua montagem, com um artesanal dimensionamento
cênico propiciado pela direção sempre acurada de João Fonseca.
Inspirando-se no apelido conferido pelo porteiro de seu prédio
que confundia a pronúncia verbal de Mouhamed
com "meu
remédio" e do enfrentamento habitual dos assédios irônicos dos colegas
de classe, rindo quando se dirigiam a ele ou fazendo trocadilhos jocosos com
seu nome.
O que acabou levando-o a assumir, sem nenhuma alteração e sem
demonstrar qualquer constrangimento, a sua identidade original na carreira
atoral. Tendo, sequencialmente, se firmado como um dos nomes mais talentosos de
sua geração, em diversos segmentos, além do teatro, na televisão e no cinema.
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Meu Remédio. Mouhamed Harfouch /Dramaturgia/Peformance. Nello Marrese/Cenografia. Março/2025. Cláudia Rodrigues/Fotos. |
Sendo que desta vez, neste seu primeiro monólogo, mostra múltiplos ofícios atuando numa performance em que sua textualidade despretensiosa, não só provoca o riso pelo acerto de suas colocações bem humoradas, ao mesmo tempo em que se exibe como cantor, instrumentista solo e, ainda, na versatilidade de seu gestualismo corporal.
Mas o espetáculo alia ao seu propósito lúdico, um pensar
retrospectivo sobre o passado familiar no legado da vida de tantos imigrantes dos países
árabes que, aqui, se estabeleceram sob diferenciais características na sua
miscigenação como cidadãos brasileiros
adotivos.
Onde, quebrando a quarta parede, o ator estabelece liames com
a plateia, comunicando-se diretamente com alguns espectadores no questionamento
sobre quem escolheu o nome de nascimento de cada um e o significado que
emprestam a isto, tanto na vida pessoal como no convívio social.
Em espaço cênico (Nello Marrese) despojado preenchido por
poucos elementos cênicos, desde um baú carregado por registros fotográficos de
seus antepassados, como de seu singular percurso existencial, lembrando
passagens divertidas com seu pai, de típico sotaque, e de uma mãe com quem se
aconselha sobre se pode mudar o seu complicado nome.
Enquanto se apresenta em indumentária (Ney Madeira e Dani Vidal)
mais cotidiana num sutil referencial indo de uniforme escolar a roupas de trabalho.
Para chegar a uma surpreendente mutação da plasticidade ao evocar as túnicas
árabes, numa vigorosa e afetiva conexão Síria/Brasil, em meio a envolventes efeitos
luminares (Dani Sanchez).
Embora Mouhamed Harfouch favoreça um lado de maior comicidade
em seu empenho pelo encontro cúmplice entre ator/espectador, Meu
Remédio nunca deixa de revelar um convicto investimento numa perceptível
carga dramática capaz de conduzir à reflexão.
Afinal, em nossa passagem pelo planeta, antes de mais nada,
ficamos conhecidos pelo nome que carregamos, pontuado desde os momentos de absoluta alegria ao contraponto
de angustiosas tensões que nos cercam
até o instante terminal.
E é na força de sua espontaneidade interpretativa que
Mouhamed Harfouch faz irradiar seus identitários recursos histriônicos e dramáticos
por intermédio de uma peculiar gramática cênica, imprimida no seguro comando cênico/direcional
de João Fonseca. Sabendo mostrar um crescendo de maturidade atoral em exercício dramatúrgico sinalizado por seu lado confessional e introspectivo.
Expandindo-se num jogo teatral vivo com reflexos curativos especulares
ecoando, afinal, a esclarecedora palavra de seu próprio autor e intérprete: “A peça é uma comédia mas carrega uma reflexão
sobre aceitação e pertencimento, sobre entender que, muitas vezes, o maior remédio
é aceitar quem somos”...
Wagner Corrêa de Araújo
Meu Remédio volta ao cartaz, agora no Teatro Vannucci, sábados e domingos, sábados às 20h; domingos, às 19h, de 15 de março a 27 de abril.
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