Prestes a completar seu meio centenário o Grupo Corpo continua a expandir sua
potencial singularidade como um das mais inventivas Cias de dança contemporânea
do nosso país. Capaz, sempre, de continuar surpreendendo mesmo na retomada de
coreografias antigas de seu repertório, como é o caso destas tituladas como Corpo e Parabelo, respectivamente criações dos anos 2000 e 1997.
Sabendo como bem explorar o conluio de recursos cênicos, da
iluminação aos figurinos, a favor de uma energizada e interativa corporeidade
dançante que nunca deixa a desejar na sua busca por um perfeccionismo técnico na
unicidade performática de seus bailarinos. A partir, sempre, da peculiar gramática coreográfica estabelecida pelo ideário concepcional de Rodrigo Pederneiras.
Dentro de um dimensionamento estético/coreográfico a prevalência
temática do Grupo Corpo se apoiando em
permanente brasilidade que aparece, ali, desde 1976, com a obra propulsora da
fama da Cia, Maria Maria, inspirada
nas composições de Milton Nascimento, sendo esta sua estreia visionária inicializada pela lavra do coreógrafo argentino Oscar Araiz.
Na travessia histórica do grupo muitas foram estas incursões
por trilhas de compositores da MPB, numa especificidade que se desenvolveu por
intermédio da participação direta dos músicos autores na sua montagem, paralela
à arquiteturação cênica /coreográfica dos espetáculos. Em peças antológicas da Cia mineira caso, entre outras, como Corpo, por Arnaldo Antunes, ou através
da parceria Tom Zé e Miguel Wisnik, em Parabelo.
Grupo Corpo/ Parabelo. Tom Zé e Miguel Wisnik/Música. Maio/2024. Fotos/Sharen Bradford. |
A primeira delas - Corpo
- estruturada sob acordes de prevalência percussiva, com base composicional tecno-eletroacústica,
para um texto recortado verbalmente como um poema concretista, sinalizado nos leitmotivs de palavras e frases vocalizadas (pé / mão / pé / mão - mão / umbigo / braço) indutoras de vigoroso gestual mecânico/robótico
dos bailarinos.
Onde a indumentária (Freusa Zechmmeister e Fernando Velloso)
de malhas negras referencia um quadro cênico e luminar (Paulo Pederneiras) de
tonalidades futuristas, preenchido virtualmente pelo piscar de luzes de um painel
eletrônico, através de um movimentar-se diferencial
capaz de sugestionar “esse composto de
ossos, carne sangue órgãos músculos nervos unhas e pelos”.
Enquanto Parabelo
dá um salto da realidade urbana para o sertanismo, naquela que o próprio
coreógrafo (Rodrigo Pederneiras) considera
a sua obra de mais plena brasilidade, a partir de uma abordagem estética - regionalista
da fome nordestina. E da resistência, na pulsão de crenças populares e
religiosas, pelo desafio para sobreviver à insólita paisagem do agreste.
A peça tendo um componente icônico em sua trajetória, do êxito de suas apresentações anos 90, no Festival de Dança de Lyon/França, e como tema artístico de abertura das Olimpíadas de 2016 no RJ ou por sua caracterização imagética que pode remeter também a um memorial metafórico do universo dos sertões.
Toda esta proposta plena de um sensorial alcance desde os figurinos (Freusa Zechmeister) em malhas escuras que descortinam traços vermelhos no corpo e nos pés, à plasticidade cenográfica (Fernando Velloso) com a simbologia dos painéis de ex-votos ao de ancestrais fotografias que registram o cotidiano sertanejo e as lembranças familiares.
Movimentando-se nos ritmos do baião e do xaxado ao forró, os bailarinos potencializam danças envolventes de apelo popular, carregadas de um autêntico sabor regionalista sob formas brasileiras, retomando signos emblemáticos das coreografias do Grupo Corpo, no molejo dos requebros de quadril e no gingado dos remelexos da sua corporeidade.
Em outra retomada luminosa de uma criação coreográfica, pautada no substrato nativo e, mais uma vez, provando como este original legado artístico a transformou, globalmente, numa das mais carismáticas companhias de dança do Brasil e do mundo...
Wagner Corrêa de Araújo
O Corpo/Grupo Corpo. Rodrigo Pederneiras/Direção e Coreografia. Arnaldo Antunes/Música. José Luiz Pederneiras/Foto. |
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