O VENENO DO TEATRO : DESAFIANDO OS LIMITES DA FICÇÃO DRAMATÚRGICA


O Veneno do Teatro. Rodolf Sirera/Dramaturgia. Eduardo Figueiredo/Direção. Maio/2024. Fotos/Priscilla Prade.


A partir de um conceitual estético sob uma sensorial representação levada aos extremos - onde o que o ator deveria transmitir é o que está realmente acontecendo com o seu personagem em estado terminal – ocorre a narrativa dramatúrgica da peça  O Veneno do Teatro.

Idealizada por um dos mais destacados nomes contemporâneos do universo teatral de linguagem catalã - Rodolf Sirera - estreou, em 1978, depois de ter sido concebida inicialmente como um roteiro televisivo. Com o significativo propósito de lembrar o fim da opressiva era franquista, tendo lançado mundialmente a fama de seu autor.

Chegando aos palcos brasileiros numa mais diferencial versão de sua primeira montagem, em 2011 por Bartholomeu de Haro e, agora, com direção concepcional de Eduardo Figueiredo. Mais a dupla protagonização dos atores Maurício Machado e Osmar Prado, este de volta aos palcos após um interregno de dez anos.

Rodolf Sirera fazendo um mergulho textual desde as citações da Antiguidade Greco-Romana por intermédio de Xenofonte em sua “Apologia de Sócrates ao Júri” até o apogeu da era do Iluminismo, antes da Revolução Francesa, lembrando os teóricos d’Alambert e Diderot, além de referir-se ao Teatro Clássico de Racine.


O Veneno do Teatro. Rodolf Sirera/Dramaturgia. Com Osmar Prado e Maurício Machado. Eduardo Figueiredo/Direção. Maio/2024.

Tudo para introduzir a condenação de Sócrates ao suicídio, na proposição do intrigante convite feito pelo personagem do Marquês (Osmar Prado), com seu subliminar referencial ao Marquis de Sade, para um jovem e conceituado ator Gabriel de Beaumont (Maurício Machado) na intenção deste representar o monólogo investigativo da morte do filósofo.  

Através de uma atuação hiperrealista no entorno da agonia final do personagem envenenado em que o próprio ator morreria em cena para criar uma autêntica intensidade, feita com sangue e dor, do processo da morte fisiológica sem qualquer disfarce, diante do aplauso de um único espectador, o próprio Marquês.

Contestado pelo ator quando declara que personagens  podem morrer em cena todas noites mas voltam à vida logo a seguir. E, assim, aos poucos vai se instaurando um clima transgressor de medo que se transmuta numa espécie de thriller de suspense e terror, longe de todas as clássicas convenções da representação teatral.

Se nas indicações cênicas do original de Sirera, havia a ambientaç6ão requintada de uma residência nobilárquica iluminada por candelabros, tanto na plasticidade dos cenários e na elegância indumentária (criados por Kleber Montanheiro) há traços do estilo rococó, século XVIII, conectados a um decor art nouveau, ao gosto da burguesia francesa anos 20.

Sempre amplificados por efeitos luminares (Paulo Denizot) entre sombras acentuando os mistérios da figura aristocrática de um Marquês com um sotaque de decandentismo, apelando sempre para o suprematismo de suas teorias intelectualistas contestatórias sobre as verdades e as mentiras do espetáculo teatral.

Valendo ser destacada a trilha (Guga Stroeter) para cello solista (Matias Roque Fideles) fazendo uma fusão entre melancólicos acordes barrocos e instantâneos repiques pop/roqueiros. Caracterizando as mutações emotivas de dois personagens mergulhados num jogo diabólico sob cruel manipulação de sentimentos de ódio e repulsa.

O que confronta a luminosa performance de dois atores entregues convictamente a um irrestrito jogo dúplice, ora de afirmação da vaidade do ator/personagem Gabriel de Beaumont, na corporificação de Maurício Machado, ora do  poder de convencimento, em compasso de tortura, do outro - o Marquês, de Osmar Prado, submetendo-o aos seus sádicos caprichos.

Num direcionamento para um teatro impulsionado pelos caminhos da dramaturgia de nosso tempo, Eduardo Figueiredo mostra autoridade cênica para nos sintonizar com uma polêmica questão que acompanha a trajetória histórica do espetáculo teatral. Sinalizada, aqui e agora, no enunciado daquela que seria a verdade na reflexiva lição proposta pela peça : “Na vida, todos nós representamos, todos nós, o tempo todo”...


                                            Wagner Corrêa de Araújo


O Veneno do Teatro está em cartaz no Teatro Sesi/Firjan, Centro RJ, quintas e sextas, às 19h; sábados e domingos, às 18h. Até 02 de Junho.

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