![]() |
Carmen/G. Bizet. TMSP. Tenor Max Jota( Don José) e Annalisa Stroppa(Carmen).Maio2024. Fotos/Larissa Paz. |
Na proximidade de completar o sesquicentenário de sua première, em março de
1875, Carmen continua a ocupar o lugar das mais populares criações
operísticas de todos os tempos. Muito embora, por uma ironia do destino, tenha precipitado
a morte do compositor Georges Bizet, que não resistiu à decepção de sua noite
de estreia.
E que, através dos tempos, vem se tornando conhecida por suas
diferentes e muitas vezes transformadoras concepções cenográficas, inspirando dos palcos
às versões cinematográficas, desde a fidelidade imprimida pelo cineasta
Francesco Rosi à adaptação jazzística de
Otto Preminger.
Sem deixar de lembrar as de Jean Luc Godard e de Carlos
Saura, priorizando sua temática entre o romance de Prosper Merimée e a
ópera de Bizet, às vezes sem nenhuma citação musical. Enquanto nos palcos Peter Brooks faz uma releitura com base nos arquétipos da tragédia grega
para caracterizar a pulsão do feminino, entre a sexualidade e a violência.
Ou o regisséur Frank Corsaro, em Nova York 1986, transmutando sua ação entremeada por signos da era franquista, onde Carmen é uma espiã legalista e Don José integrante do exército fascista, mantendo-se a partitura original. Trilha também seguida, apenas em subliminar parte, pelo ideário concepcional de Jorge Takla para esta Carmen da temporada 2024 do Municipal paulista.
![]() |
Carmen. TMSP. Jorge Takla/Direção Concepcional. Roberto Minczuk/Regente. Maio/2024. Fotos/Larissa Paz. |
Aqui, a época ainda são os anos fascistas lembrados pela referência
dos personagens militares como Don José
ou de um painel com o signo dos punhos cerrados para o alto, mas a prevalência básica
é o universo fashion com a preparação
de um desfile cuja temática será uma alegoria do mundo taurino.
Tudo ambientado num espaço cenográfico (Nicolás Boni) em dois
planos, com um balcão superior lateral, no que seria um atelier de costura no
primeiro ato, alternado por um grande painel central decorado por pintura com
referencial goyesco, acima de algumas
portas. Que depois se transforma, nas cenas seguintes, em refúgio dos
contrabandistas e, finalmente, na sala nobre do desfile final.
Os diferentes climas sugestionados por bonitos efeitos luminares
(Mirella Barndi) entre sombras e claridades, que potencializam as passagens
dramatúrgicas emotivo/musicais. Completadas nos figurinos (Pablo Ramirez) anos
cinquenta, ora mais cotidianos, ora com extrema elegância nas indumentárias do
desfile, chegando ao seu apogeu nas aquareladas
alusões, de plasticidade metafórica, a personagens das touradas.
E, ainda, com o alcance de uma artesanal e luminosa conduta
musical de Roberto Minczuk, com funcionalidade tanto nos momentos de acordes
mais energizados quanto nas passagens de maior lirismo. Extensiva ao brilho das
partes corais adultas pelo Coro Lírico Municipal e das vozes infantis, respectivamente
pela regência de Érica Handrikson e de Regina Kinjo.
Quanto às atuações dos papéis protagonistas houve pequenos senões nas exigências da tessitura de barítono do argentino Fabián Veloz, não atingindo um mais completo convencimento vocal como Escamillo, especialmente na celebrada Canção do Toreador. Também com uma certa timidez o papel de Don José (pelo tenor Max Jota) foi se impondo aos poucos num crescendo de sua vocalização atoral a partir de La Fleur que tu m’avais jetée e, com um maior apelo palco/plateia, na cena do ato conclusivo.
No que se refere aos papéis femininos, o soprano Camila Provenzale saiu-se muito bem como
Micaela destacando-se pela suavidade
introspectiva de seu timbre na ária Je
dis que rien ne m’épouvante. Mas, sem dúvida alguma, a presença mais
estelar tanto como atriz e como mezzo-soprano ficou com a italiana Annalisa
Exuberante em todos as suas passagens, tanto no alcance de
uma voz primorosa como na energizada sensualidade de sua performance, seja na
Habanera como na Seguidilha. Concedendo veracidade e alta convicção à originalidade
da direção concepcional de Jorge Takla que, aqui, soube bem como definir os
limites estéticos/dramatúrgicos entre a tradição musical e a contemporaneidade.
Na assertividade de uma ópera que sempre há de soar atual por
sua abordagem da condição feminina, para tempos de tantos feminicídios em que
se faz mais que necessário denunciar qualquer forma de misoginia...
Wagner Corrêa de Araújo
Carmen, da Temporada Lírica 2024, esteve em cartaz no TMSP,
em sete récitas, do dia 03 até este último final de semana de Maio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário