COMO POSSO NÃO SER MONTGOMERY CLIFT? : UMA TRAJETÓRIA ESTELAR À BEIRA DO PENHASCO


Como Posso Não Ser Montgomery Clift? Direção/Fernando Philbert. Com Gustavo Gasparani. Janeiro/2023. Fotos/Nil Caniné.


Em seu clássico relato analítico sobre o star system Edgar Morin define o que se esconde atrás do sucesso mítico no cinema :“O herói perdido, atormentado, problemático...O mal está dentro dele, na contradição vivida, na impotência, na busca errante”...

E nada mais apropriado para caracterizar a conturbada trajetória artística - existencial de Montgomery Clift. De um lado a ascendente carreira como um ídolo das telas, numa pulsão instantânea desde seu primeiro filme, em 1948, no entremeio do sonho frustrado por nunca passar das indicações ao Oscar. Agravado por um acidente que tumultua sua vida e precipita, na dependência do álcool e das drogas, a sua terminalidade.

Do outro, o pesadelo das inquietações psicofísicas para disfarçar sua condição de homossexual em tempos de extremado conservadorismo e de rejeição à livre identidade sexual, que o perturba desde o convívio doméstico com uma mãe preconceituosa, numa família burguesa tradicionalista .

E que vai aparecer também no set de filmagens de seu primeiro filme Rio Vermelho, dirigido por Howard Hawks, na ironização machista promovida, por exemplo, por John Wayne ao contracenar com ele. E que só seria desmentida nas cenas ardentes com Elizabeth Taylor, no seu êxito absoluto como galã hétero em Um Lugar ao Sol, 1951, de George Stevens.

Como Posso Não Ser Montgomery Clift?, de Alberto Conejero Lopez, reconhecido nome da nova dramaturgia espanhola, é uma peça já lançada em livro no Brasil mas inédita nos nossos palcos. Chegando agora à cena carioca, sob irradiante concepção cênico-direcional de Fernando Philbert, com luminoso suporte performático de Gustavo Gasparani para comemorar seus 40 anos de carreira.


Como Posso Não Ser Montgomery Clift? De Alberto Conejero Lopez. Janeiro/2023. Fotos/ Nil Caniné. 

Onde o roteiro dramático se desenvolve a partir dos anos de dúvida e incerteza, quanto ao futuro pessoal e artístico de Montgomery Clift, diante do desafio pela retomada física e artística pós acidente automobilístico que desfigura sua face. Levando-o à dependência alcoólica e apressando sua morte, no midiático e mais longo suicídio do espetáculo cinematográfico, segundo comentários de seus contemporâneos.

Em que a ambiência cenográfica, outro destes absolutos acertos de plasticidade visual da lavra criativa de Natalia Lana, sugestiona uma banheira em mármore rodeada nas laterais do palco/arena por spots de um set de gravação. E os figurinos  de Marieta Spada, ora mostram trajes cotidianos, ora uma indumentária formalista numa espécie de insinuação, subliminar, das noites de gala como a solenidade do Oscar.

Capaz, ainda, de extrapolar o intimismo solitário de um espaço de banho, por intermédio de efeitos luminares (Vilmar Olos), num clima metafórico referencial da gloriosa era do cinema americano anos 50/60. Incluída uma incidentalidade alterativa na conexão de antológicos acordes musicais, fragmentos sonoros/cinéticos e depoimentos, com a habitual envolvência das trilhas de Marcelo Alonso Neves.

Tendo um Gustavo Gasparani monologal potencializando seus especiais recursos performáticos, fruto da plena maturidade de suas quatro décadas de incursões pelo universo cênico, na busca investigativa da representação de toda e qualquer diversidade de gêneros. Sabendo imprimir, pleno de paixão e convicta entrega, a contundência atoral necessária, sem quaisquer subterfúgios melodramáticos, a um amagurado personagem.

O dimensionamento psicológico em permanente estado de risco à beira de um precipício que remete à aliteração vocabular de Clift para Cliff (precipício) aparecendo, assim, na denominação original da peça, tendo seu reflexo especular no revelador, arrojado e inventivo empenho diretorial de Fernando Philbert para configurar cenicamente o desalento do personagem titular.

E não por acaso, voltando a Edgar Morin em seu livro Les Stars (As Estrelas – Mito e Sedução no Cinema), eis aqui um retrato de conceitual ideário estético-filosófico para este Montgomery Clift teatralizado:Por trás da glória, a solidão.../A diversão tornada inimiga da felicidade/O vazio sob a intensidade/A infelicidade da existência maquiada/Sob o mais radiante sorriso: a morte”...


                                   Wagner Corrêa de Araújo

   

Como Posso Não Ser Montgomery Clift? Está em cartaz no Espaço Sérgio Porto/Botafogo, sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h. Até 12 de fevereiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excepcional crítica,parabéns,ao autor Wgner

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