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Uma Revolução dos Bichos. Direção de Bruce Gomlevsky. Outubro/2022. Fotos/Dalton Valério. |
“Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do
que outros” – nesta frase do escritor britânico George Orwell está sintetizado
o transubstancial fio condutor da trama
ficcionalizada de seu livro Animal Farm que, ao lado de 1984, revela os desvios
e as falácias a que conduzem os jogos do poder, do domínio e da submissão na
radicalização das ideologias, sejam estas da esquerda ou da direita.
Original de 1945, com o propósito de fazer uma irônica e
mordaz sátira aos desmandos tirânicos de Stalin, com sua distorção opressiva
dos princípios e ideários políticos que nortearam a Revolução Russa de 1917,
desde que assumiu ditatorialmente o poder na expansão da era soviética. Não
representando de forma alguma um tributo ao sistema capitalista, pois o intuito
de Orwell como um socialista convicto era o de denunciar os abusos autoritários
e a subtração dos verdadeiros intuitos marxistas que deveriam continuar a nortear
o regime russo pós 1917.
O que ele faz numa representação fabular através de uma
fazenda onde os animais promovem uma revolta libertária, diante da forma
desprezível e exploratória como eram tratados pelos humanos representados pelo
patrão/proprietário. Em livro emblemático por seu substrato atemporal e que vem
inspirando desde releituras cinematográficas e teatrais a adaptações para quadrinhos
e até jogos virtuais.
E bastante oportuna nesta sua nova retomada cênica nos palcos
brasileiros quando sobrevivem regimes guiados pelo totalitarismo de esquerda
como a Coréia do Norte, além do crescente radicalismo neofascista tanto na
Europa, como nos riscos iminentes do visionário desígnio direitista de um certo
país abaixo da linha equatorial.
Em afiada releitura dramatúrgica absolutamente personalizada, titulada agora como Uma Revolução dos Bichos, embora sustentada no dimensionamento imaginário inicial de Orwell, com um olhar armado na contemporaneidade pela reconhecida maestria textual de Daniela Pereira de Carvalho.
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Uma Revolução dos Bichos. Daniela Pereira de Carvalho, dramaturgia. Outubro/2022. Fotos/Dalton Valério |
Mais uma vez com a autoridade cênica de Bruce Gomlevsky
irradiando no palco a luminosidade desta escritura, em inventiva e provocadora
concepção diretorial sintonizada com as trajetórias da dramaturgia de hoje. Em
instigante processo de busca investigativa que alia elementos de um teatro
coreográfico à metaforização expressionista do realismo performático, já delineado com
vigoroso resultado pela Cia Teatro Esplendor em “Tartufo”.
E direcionando-se a uma arquitetura cênica (aqui, na dúplice
concepção, por Bruce Gomlevsky) em envolvente plasticidade estética e orgânica
pelo uso de feno natural numa ambientação fazendária. Interativa para
atores/espectadores na sua disseminação de odores campestres e pelas constantes
entradas e saídas, na circularidade do espaço arena/ plateia, de um elenco com cerca de vinte atores.
Num arrojado visual de prevalência coletiva, entremeado por alguns solos e cenas grupais, com um
referencial onírico na confluência dos caracteres antropomórficos e de um
colorido barroquizante. Materializado tanto na indumentária como no visagismo
corporal e facial, em sensorial criação que reúne os talentos de Mona Magalhães
e Maria Duarte.
Onde a energizada e instintiva interpretação dos atores se
divide entre uma espontânea psicofisicalidade no gestual corpóreo/mimético (em
funcional idealização de Gustavo Damasceno) e nas variações de tonalidades
vocais (por Yasmin Gomlevsky). Aliás, na coesiva linguagem corporal de um
afinado elenco, há que se destacar o crescendo dramático e a potencialidade
carismática de Gustavo Damasceno no papel de Napoleão e de Yasmin Gomlevsky
como Bola de Neve.
Sabendo as sonoridades da sempre certeira trilha (Marcelo Alonso Neves) pontuar bem, no intermédio de passagens ora mais graves ora mais calorosas, os conflitos emotivos de vitória, desalento e derrota dos personagens animais e humanos, acentuados com precisão, entre claridades e sombras, nas luzes de Elisa Tandeta.
Em dias de tanta incerteza política como os que estamos
vivendo, há que se ficar atento e forte quanto aos perigos e as armadilhas para instauração de uma nova ordem a partir de pregações messiânicas ligadas a
fanáticas lideranças. A lição reflexiva que fica, depois de assistir a Uma
Revolução dos Bichos, não pode ser olvidada, ela serviu para 1945, haverá de
ser útil para o hoje e, certamente, necessária para o amanhã...
Wagner Corrêa de Araújo
Uma Revolução dos Bichos está em cartaz no Espaço Sergio
Porto, de sexta a domingo às 19hs, até o dia 30 de outubro.
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