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Órfãos, de Lyle Kessler. Direção/Fernando Philbert. Outubro/22. Fotos/Costa Blanca Films. |
Na proximidade do alcance de quatro décadas de sucesso
absoluto em inúmeros países e numa reconhecida versão cinematográfica de Alan Pakula (1987) quatro anos após sua
primeira montagem, Órfãos - do
celebrado autor norte-americano Lyle
Kessler - tem sua segunda versão para os palcos brasileiros.
Com a habitual artesania do diretor Fernando Philbert mantendo
a sua denominação original (a partir de mais uma das acuradas traduções de Diego
Teza), com diversidade da representação concebida por Gracindo Jr., em 2004, em
seu referencial titular do filme noir “Anjos
da Cara Suja” (1938), de Michael
Curtiz.
E no contexto da peça como uma forma qualificativa, irônica mas
ao mesmo tempo melancólica, para meninos internados em orfanatos, dividindo-se
entre a sufocante falta da conexão familiar e a tendência marginalizante diante
de um destino de abandono e de carências afetivas.
Interpretada aqui por uma dupla de talentosos representantes
de uma nova geração atoral, no caso Rafael Queiroz e Lucas Drummond. Este
último o idealizador do projeto pós temporada de estudos em Nova York, onde se
entusiasmou pelo texto na sua mais recente produção da Broadway. E completada,
em seu terceiro personagem, pela maturidade de um dos mais carismáticos atores
da cena brasileira – Ernani Moraes.
Configurando-se como um melodrama metafísico ou dimensionado na categoria de comédia entre sombras pela sua abordagem de distanciamento do amor e de gestos compassivos para preencher o vazio existencial de dois irmãos solitários, no refúgio de um decadente espaço residencial.
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Órfãos.Com Lucas Drummond, Ernani Moraes e Rafael Queiroz. Outubro/22. Fotos/Costa Blanca. . |
Resquícios de uma infância infeliz, deixados ao léu pelo pai
abusivo com a morte da mãe, e claramente insinuado na concepção cenográfica de
Natália Lana para sugerir esta ambiência, sob marcas características de desordem,
roupas espalhadas pelo chão, latas e vidros vazios, e pelo figurino surrado de
Rocio Moure, acentuados nas precisas tonalidades luminares de Vilmar Olos.
O mais velho Treat
(Rafael Queiroz) vivendo às custas de uma jornada de delitos via roubos a
pedestres, enquanto o mais jovem - Phillip
(Lucas Drummond), submetido pelo outro a uma obrigatória reclusão domiciliar, tornando-se
cada vez mais alheio à realidade do mundo lá fora.
Encontrando saída apenas em lúdicas leituras às escondidas do
irmão e na evasão energética através de arroubos acrobáticos, inspirado pelos heróis
de filmes antigos a que assiste no seu pequeno aparelho de TV. Estabelecendo,
ambos, trajetórias de frustração e dor em
seu angustiante cotidiano enquanto esperam, sem perspectivas, por dias melhores
que nunca chegam.
Até a transformação instaurada por um misterioso senhor, bêbado
empresário sequestrado por Treat, na verdade mais uma das vítimas dos seus assaltos de rua, em
performance luminosa de Ernani Moraes como Harold.
Transitando, com raro brilho, como um mistificador mor resgatando seu passado similar
de orfanato, em papel de mentor comportamental paternalista e insuflando,
especialmente no mais jovem dos irmãos perdidos, um aprendizado libertário de
vida.
Enquanto esta influência vai se estendendo também no
apaziguamento da rudeza e da vilania cínica de Treat que aos poucos acaba cedendo às injunções do questionador
senhor Harold ainda que em ambígua mutação
de caráter, em convicta interpretação de Rafael Queiroz.
Mas é a variada escala expressiva assumida pela ação psicofísica de Lucas Drummond, no personagem Phillip, de sua instintiva timidez
inicial ao seu espontâneo processo libertador sob a égide do mágico visitante, que
torna mais próximo e tocante seu compartilhamento de emoções com a plateia.
Com direito a privilegiados momentos de quebra metafísica e
metafórica, como partner de Ernani
Moraes, em sensoriais passagens gestuais (Toni Rodrigues), sustentadas por breves
acordes antológicos da canção e do musical americano, parte incisiva da certeira
trilha de Marcelo Alonso Neves.
Tudo confluindo para tornar mais envolvente a gramática cênica direcional de Fernando Philbert e capaz, sobretudo, de fazer de Órfãos um destes momentos superiores da arte teatral...
Wagner Corrêa de Araújo
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