NIJINSKY, Balé de Marco Goecke. Alessandro Cascioli, protagonista titular e Linda Messina (Romola). Maio de 2021. Foto/Rosselina Gabo. |
“A arte em evolução é
mais importante do que uma lógica externa. Para mim, se esforçar para
coreografar um balé puramente lógico, estritamente de acordo com sua narrativa,
seria muito restritivo para o processo da criação” (Marco Goecke).
Partindo desta premissa, o coreógrafo alemão Marco Goecke faz uma releitura incisiva e diferencial da trajetória
artístico/existencial de Vaslav Nijinsky. Indo de sua meteórica ascensão como
bailarino e coreógrafo dos Ballets Russes
de Diaghilev à sua fase final como interno de um sanatório suíço, sem
qualquer preocupação de rigorismo cronológico ou de realísticas caracterizações visuais.
Numa abordagem narrativa com prevalência atemporal, em
minimalista concepção cênica, extensiva a um figurino básico (Michaela Springer) estilizado por malhas,
O Espectro da Rosa através de simbólicas pétalas vermelhas sobre o palco, ou de uma gola de palhaço para definir Petrushka. Com a indumentária capa e cartola para identificar os assédios nervosos do possessivo ciúme de Diaghilev e uma metafórica lira desenhada na camiseta para marcar as entradas da musa da arte e da dança, Terpsichore.
Neste entra e sai de personagens da vida de Nijinsky, aparecem também sua mãe e sua irmã, além da bailarina Romola, sua mulher até a morte (1950), após seu rompimento definitivo com o amante e empresário Serguei Diaghilev.
NIJINSKY, de Marco Goecke. M. Morelli (Diaghilev). Maio de 2021. Foto/Rosselina Gabo. |
A trilha sonora, ao vivo, com arranjos do maestro Manfredi Clementi, é guiada por Chopin (Concertos Para Piano e
Orquestra, nos 1 e 2), Debussy (Prélude à L'Après-Midi d’un Faune),
além de uma curiosa inserção de tradicionais canções russas de ninar, em transcrição para naipes instrumentais, para marcar as lembranças memoriais do bailarino.
A linha coreográfica desta recente remontagem para o Teatro Massimo de Palermo, dentro do
trabalho gestual típico de Marco Goecke, prioriza um gestual enérgico
sustentado em movimentos pantomímicos irregulares, de forte carga digital e
remetendo, por vezes, com tônus expressionista
ao cinema mudo. Com subliminares citações, através de braços e mãos esculpidas,
de obras celebrizadas por Nijinsky como o Fauno, Espectro da Rosa e Sagração da
Primavera.
Com coesa unidade
interpretativa do Corpo de Baile e Orquestra do Teatro Massimo, pela disponibilização
nas plataformas digitais desde sua première em 4 de maio.
Este último potencializa um teatro coreográfico para tornar perceptíveis
os variados estágios psíquicos de Nijinsky,
da empatia e o vigor lendário dos anos
de glória aos melancólicos anos de conflitos mentais como paciente psiquiátrico.
Num dimensionamento cênico/coreográfico que contrapõe a
citação instantânea da elegância e leveza de papeis como o Fauno, Petrushka e Espectro da Rosa, com um
prevalente frenesi de gestos, ora trêmulos ora sincopados, direcionados por recortes de um
automatismo robótico. Incluída a interferência de respiração ofegante, gritos e
murmúrios, com falas mudas, visualizadas por legendas explicativas e vozes em off.
Se este conturbado vocabulário coreocênico, às vezes tornando-se
assumidamente provocador, pode incomodar o mais tradicional público balletômano, ao mesmo tempo, faz com que este Nijinsky tenha um magnetismo emblemático.
Que, ecoando as intenções do processo investigativo de Goecke, visa alcançar uma trans-historicidade estética tão revolucionária quanto foi nas duas primeiras décadas do Século XX.
Wagner Corrêa de Araújo
NIJINSKY. Martina Pasinotti (Terpsichore) e Alessandro Cascioli (Nijinsky) . Maio de 2021. |
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