Última peça do escritor, dramaturgo e ator Fauzi Arap, Chorinho teve sua estreia em 2012,
conquistando logo o aplauso do público, em suas inúmeras turnês pelo país, e a aprovação da crítica, incluindo o prêmio da APCA (Associação
Paulista dos Críticos de Arte), seis anos antes da morte do autor.
Sua trama dramatúrgica faz uma referência à solidão e à loucura
destes inúmeros anônimos e abandonados com quem, tantas vezes, cruzamos com
absoluta indiferença, pelas ruas e praças de nosso núcleo urbano.
Mas não foi com este olhar desatento que dramaturgos como Edward Albee (em Zoo Story) e Samuel Beckett
(com Esperando Godot), ou Fauzi Arap
através de seu derradeiro testemunho dramatúrgico, mostraram a difícil passagem
das horas para estes perdidos no espaço, não o dos azuis infinitos, mas o dos recantos
obscuros a céu aberto.
E é nesta ambiência de miséria e solidão, que habita uma
moradora de rua (Denise Fraga), suja, maltrapilha e tresloucada, como pensa e a define, a princípio, a aposentada
classe média (Cláudia Mello) antes de terem, as duas mulheres, seus caminhos cruzados.
A partir daí começa um estranho diálogo, com um misto de
rejeição inicial da que tem teto e a mendiga, que com seus inusitados gostos de
vegetariana convicta e seu retrocessivo conceitual religioso, conquista a
interlocutora e acaba gerando uma mútua e inusitada dependência emocional.
Com poucos elementos cênicos, apenas um banco de praça e
objetos pessoais que delimitam o espaço ocupado pela moradora de rua, a
concepção cênica original do próprio Fauzi Arap, continuada por Marcos
Loureiro, transforma a montagem num libelo de crítica social, pontilhado de
humor e poesia.
Completado pela adequação dos figurinos urbanos de Cássio Brasil e as
boas e ocasionais interferências da trilha de Aline Meyer, sob as climáticas luzes
de Marcos Loureiro e Nadja Naíra.
Além da afinada construção dos personagens, com duas atrizes
em absoluta sintonia e sensível envolvimento num enredo - que poderia soar
apenas corriqueiro no lugar comum da sua abordagem da solidão e do abandono
urbano mas que, ao contrário, sintoniza, isto sim, uma imediata empatia com a
plateia.
Fazendo ainda lembrar um ancestral conceito popular filosófico que
pode ser, em sua irônica sabedoria, uma bandeira para estes patéticos personagens, entre a solidão e a miséria, que povoam nossos logradouros públicos:
"Só os que tem a
bolsa vazia, podem cantar diante do ladrão".
Entre os indiscutíveis talentos da nova dramaturgia carioca Carla
Faour ocupa um lugar à parte, pelo inventivo lavor autoral revelado em textos que
surpreendem pela originalidade de uma abordagem temática sustentada por incisiva
linguagem teatral, como foi o caso de A Arte
de Escutar e Obsessão.
Sempre em busca de um teatro mais antenado com a realidade
política social, linkado no caos urbano da insegurança e do descaso ora dos
governantes, ora da própria indiferença de seus citadinos, ela traz agora à cena seu último trabalho – Os
Intolerantes, comédia em parceria com Henrique Tavares, que também assume a
direção.
Nele, a partir de um recente fato de acorrentamento de um
jovem negro a um poste, fica patente o reflexo da nova postura justiceira de
transeuntes revoltados com a morosidade do poder público e sua polícia, de hábito sempre a última a chegar.
Acusado do roubo da bolsa de uma idosa e viúva de militar (Ivone
Hoffman), e no risco da inculpabilidade por uma possível menoridade, o acusado
(Eder Martins) é imobilizado no calçadão da praia pela tranca de um ciclista
ginasta (Sérgio Abreu) .
Juntando-se ali outros passantes, além da própria vítima do
desfalque, como um casal classe média oriundo do subúrbio (Carla Faour e Celso
Taddei), acrescidos às vozes ecoantes do protesto e rebeldia de demais
manifestantes da rua (Day Mesquita e Leandro Santanna).
No entremeio de embates comportamentais, posicionamentos conservadores
e limítrofes ideologias políticas, todos os personagens vão se transformando de
testemunhos de um fato real, ironicamente humorados, a meros propulsores de um
clima de absurdidade.
E é, exatamente neste momento, que a proposta cênica, inicialmente de
tônus contestador, vai se perdendo num desfile alegórico de tipos que,
desviando o foco, apenas transcendem aleatoriamente o espetáculo.
Do saldo final, numa produção de recatados recursos
cenográficos (José Dias) e de funcional indumentária cotidiana (Patrícia
Muniz), sublinhada em efeitos luminares focais (Aurélio de Simone) ainda o simpático presencial, em tons de tragicomicidade, de um elenco equilibrado com sete integrantes.
Mas o que fica enfim para o público como reflexão e denúncia deste conturbado e até risível flagrante social? Entre questionamentos e
omissões, na árida sensação de que,
afinal, somos todos culpados, não custa aqui recorrer referencialmente a um verista e secular recado poético de Calderón de La Barca:
“Valha-me Deus, que
covarde a culpa deve ser”.
OS INTOLERANTES. Dezembro de 2014. Foto / Flávia Fafiães. |
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