Depois de uma ausência dos palcos por mais de duas décadas, Regina Casé está de volta, outra vez como
uma one woman show para, através de contação
bem humorada de causos autoficcionais,
incentivar também o gosto pela leitura, por intermédio da representação textual
de passagens clássicas de nossa literatura.
Em espetáculo formatado num mix de sarau literário e stand
up comedy titulado, significativamente, como Recital da Onça, remetendo a uma das mais emblemáticas estórias e a
um dos mais envolventes personagens do universo ficcional do Rosa
da prosa, Meu Tio Iauretê.
Numa retomada com fundamentais
parceiros de incursões cênicas, que marcaram sua trajetória de atriz e
comediante do palco ao cinema e à televisão, tais como Hamilton Vaz
Pereira (na direção cênica), Hermano Vianna (na criação ao lado dela) e o
partner de vida e de arte Estevão Ciavatta (na direção geral).
Além de especiais comparsas na concepção tecno-artística como
Luiz Zerbini na concisa cenografia, Claudia
Kopke e Gilda Midani em cotidiana indumentária, Berna Ceppas no energizado
score sonoro dúplice ao lado de Hermano Vianna, mais Renato Machado com
ambiental desenho de luz.
Onde Regina Casé fazendo uso de sua potencial espontaneidade
performática, entrecortando um componente humorístico e uma proposta de substrato literário antológico,
desenvolve uma gramática cênica capaz de fazer rir refletindo, irônica e criticamente,
sobre temas comportamentais que estão muito próximos de nosso sombreado status
político-social.
Relatando, já no prólogo, sobre os “divertidos” dissabores protocolares e a insegurança pessoal no
enfrentamento de uma viagem, a convite para Harvard, acrescido de um certo temor e assombramento
do meio acadêmico americano quanto à fórmula escolhida – "lectures" - a partir de seleções textuais entre escritores brasileiros.
Num espetáculo que perde seu caráter intimista e sua nuance confessional
em palcos muito grandes como este do Teatro Oi Casa Grande, ainda que os jogos
luminares acentuem climas mais interiorizados, nos alterativos entretempos para leitura
dramatizada dos textos de Alberto Mussa, Clarice Lispector, Mário de Andrade e
Guimarães Rosa.
Este último mais potencializado dramaturgicamente quando a
atriz sintoniza o poder verbal roseano
em vigorosa e cativante condução dos traços de um personagem, entre o homem e o
bicho, no dimensionamento psicofísico do anímico à animália.
Com um ideário direcional (Estevão Ciavatta) e conluio atoral
solista (Regina Casé) fazendo prevalecer uma pulsão direcionada a provocar interativa
cumplicidade com o público.
Culminando em recortes de uma disputa de samba com direito a livros, ao molde de programas televisivos, com a participação de espectadores no palco, sob o compasso rítmico de bateristas da Mangueira.
Culminando em recortes de uma disputa de samba com direito a livros, ao molde de programas televisivos, com a participação de espectadores no palco, sob o compasso rítmico de bateristas da Mangueira.
Num conceitual de quebra de limites academicistas e barroquismos estéticos para facilitar
o percurso e a convivência cênica, em luminosa identificação, do risível despretensioso ao entretenimento meramente lúdico, com a sobriedade reflexiva da palavra literária.
Irradiada na tarimba de uma atriz antenada com seu oficio e
com seu tempo e que sabe bem como passar o seu recado de consciência
cidadã no amor a um teatro conectado à
valoração da leitura e da literatura.
RECITAL DA ONÇA está em cartaz no Teatro Oi Casa
Grande/Leblon/RJ, sexta e sábado, às 20h; domingo, às 18h. 100 minutos. Até 12
de maio.
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